28 março 2006

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19 março 2006

Pessoas básicas

Eu poderia ter sido famoso, assim tivesse querido. Não quis: a veneração, a idolatria, o culto de personalidade que normalmente acompanham a fama são-me desconfortáveis. O meu carácter discreto e humilde convive mal com tais artifícios. Sou uma alma simples, gosto de privacidade e de passear incógnito pelas ruas. Não me agradaria ser assediado por hordas de fãs sempre que pusesse pé fora da porta.

Eis a razão por que deliberadamente não me destaco dos demais. Eis a razão por que escondo os meus múltiplos talentos. Eu sou assim: modesto, recatado e despretensioso. Claro que me é difícil, por vezes, esconder os meus tão diversificados quanto extraordinários atributos. Tenho sempre de andar atento e vigilante para não me denunciar a mim próprio e para não me destacar dos meus pobres concidadãos não tão bafejados pela Providência no que à acumulação de qualidades diz respeito.

Por vezes, vou na rua, distraio-me e começo a trautear uma música que me entrou no ouvido; embalado, a dada altura já canto a plenos pulmões e completamente compenetrado, e só após alguns instantes reparo que há já uma multidão à minha volta a escutar-me com evidentes surpresa e admiração estampadas no rosto. Apanhado em falta, recupero a minha auto-censura e começo deliberadamente a desafinar (algumas pessoas, mais básicas, coitadas, pensam que eu desafino inadvertidamente…) de molde a afastar as suspeitas que se começam a formar na cabeça dos meus ouvintes de ocasião. De outro modo, por esta altura haveria já muito boa gente a pensar que, à minha beira, o Pavarotti tem um timbre de cana rachada ou que o Frank «The Voice» Sinatra mais parecia, afinal, um gatinho desmamado.

Outras vezes, vou no comboio em hora de ponta e começo distraidamente a desenhar no meu bloco de apontamentos com a minha lapiseira. Distraio-me e deixo vir ao de cima todo o meu talento artístico, de tão embrenhado que estou na actividade de desenhar. Só começo a suspeitar de que algo de errado se está a passar quando vejo uma caterva de cabeças debruçadas sobre o meu desenho, mais uma vez dominadas pela surpresa e admiração, e esmagadas pelo meu talento. De pronto, e para matar à nascença os rumores que começam a circular (qualquer coisa como o Picasso parecer mais um pintor de construção civil quando comparado comigo…), começo propositadamente a desenhar curvas onde deveriam estar rectas e vice-versa, enquanto vou borratando o desenho com o polegar (as mesmas pessoas básicas – e invejosas! - de há pouco, coitadas, pensam que só há tanta gente a olhar para o meu desenho porque, mais uma vez, eu estava a desenhar um motivo para maiores de 18 anos. Tais desconsideração e desdenho pela Arte não me merecem comentários…).

Não se pense contudo que os meus atributos se limitam ao domínio das artes. No que toca a qualidades e dons, eu sou muito ecléctico e poder-me-ia destacar sem quaisquer dificuldades em qualquer domínio da actividade humana. Na escola, por exemplo, foi com grande dificuldade que consegui disfarçar a minha evidente superioridade sobre os meus colegas em qualquer matéria leccionada. E passei agruras, falhando respostas propositadamente nos testes, inclusive tirando negativas aqui e ali, tudo por mor de não querer humilhar os meus amigos nem querer destacar-me da média. Na matemática, por exemplo, em que poderia ter sido sem qualquer dificuldade um novo Pitágoras, fingia não saber quanto é o seno de π, levando ao desespero os meus professores, ou errava propositadamente no cálculo da raiz quadrada de 121. Claro que havia alguns colegas meus (básicos, coitados) que achavam que eu falhava por mera ignorância ou falta de estudo. Mas era esse o preço a pagar pela minha escolha de não me querer destacar dos demais, embora o pudesse fazer facilmente, e eu aguentava-o, estoicamente, com um sorriso nos lábios (e um murro na cara dos meus colegas…).

Já no desporto, por sua vez, a dificuldade seria escolher em que modalidade me poderia destacar: teria sido facilmente um exímio futebolista, um excelso sprinter, um extraordinário ciclista, eu sei lá… Mas não, fiel à minha filosofia de vida, eu deixava-me ficar pelo meio do pelotão nas corridas e jogava apenas medianamente futebol ou outros desportos. Claro que as pessoas, básicas, coitadas, achavam que eu era apenas mais um, sem grande queda para o desporto – a não ser quando, manifestamente por excesso de zelo, eu me espalhava no chão na disputa de uma bola ou a meio de uma corrida…

Enfim, não é fácil este meu caminho. Para alguém cujas qualidades, atributos e dons são em tal qualidade e quantidade, a vida não é meiga. Sobretudo quando se escolhe, como eu o fiz, usar só parcialmente esses recursos, de forma a não destoar da média nem a ser catapultado para a fama, a celebridade, o dinheiro, o poder… A minha alma simples, a minha modéstia inata, a minha humildade congénita não me permitiram outra escolha. Não tive outra saída.

Algumas pessoas, básicas, coitadas, concordam comigo neste ponto: eu não tive outra saída…

13 março 2006

Crítico cinematográfico

Afinal, falhei: quem ganhou o Óscar para melhor filme foi «Crash». Temo que a minha carreira como crítico cinematográfico tenha abortado antes mesmo de começar. Temo também que este facto ainda me leve a responder em tribunal, enquanto não é convocado um referendo para alterar a lei. Em minha defesa, só posso dizer que a interrupção da minha carreira não foi voluntária; aliás, cheguei a acalentar esperanças de poder ter um futuro auspicioso enquanto crítico de cinema, na especialidade de «crítico-que-critica-sem-ver-os-filmes». Bem sei que a concorrência, neste nicho de crítica da sétima arte, é feroz e desapiedada, mas, tivesse eu começado com sucesso as minhas antevisões (em mais do que um sentido) e prognósticos, e já nada me deteria até à fama universal.

Esse intento saiu frustrado, contudo. É verdade que «Brokeback Mountain» ganhou o Óscar de melhor realização; mas não conseguiu ganhar o de melhor filme e isso arruinou o meu prognóstico… não sei o que correu mal, não compreendo… E agora, o que fazer? Talvez vá ainda a tempo de enveredar pelo ramo da crítica que efectivamente vê os filmes antes de opinar sobre eles. Sei que parece uma atitude descabelada, talvez até contra-natura, mas julgo que é o caminho que me resta.

Há vantagens, efectivamente: a concorrência é menor, obtêm-se uns bilhetes de borla e fazem-se umas amizades interessantes. Hum… e vai daí, isto é capaz de me preocupar. Talvez prefira a misantropia…

08 março 2006

Gripe das aves II

Serei o único a achar esquisito que haja gatos a morrer de gripe… das aves? Quer dizer… Organizem-se, organizem-se… senão, um destes dias ficamos entregues à bicharada…

Gripe das aves I

Um gato alemão fez uma emboscada a um pássaro que andava pelas redondezas. Encurralou-o. Saltou-lhe para cima. Apanhou-o e, de seguida, comeu-o. O pássaro estava engripado e transmitiu-lhe o vírus. O gato, passados uns dias, morreu.

Moral da história 1: “Se queres comer um pássaro, certifica-te de que não é uma pega…”

Moral da história 2: “Sempre que saltares para cima de – e comeres – alguém, usa protecção…”

Moral da história 3: “Antes de comeres um pássaro, desconfia se ele estiver a piar pelo nariz…”

04 março 2006

CSI

Foi publicado nos últimos dias o decreto que regulamenta a atribuição do Complemento Solidário para Idosos (CSI). Este Complemento é atribuível a pessoas com mais de 80 anos, tentando criar condições para que os idosos possam viver melhor, com um rendimento mínimo mensal de 300 euros, que assegure uma vida com dignidade.

Parece-me muito importante que se tenha criado este mecanismo para prover aos idosos mais necessitados. É certo que ainda não percebi inteiramente como funcionará, por manifesta falta de informação (por culpa própria, entenda-se). Ainda fui ao portal do Governo na Internet para me informar melhor, mas desmoralizei face à informação de que teria de descarregar um ficheiro com 29 páginas (389 Kb).

Deste modo, por preguiça assumida, não me poderei pronunciar sobre os pormenores do CSI, mas folguei ao ouvir o Primeiro-Ministro afirmar: «Esta prestação social será rigorosa. As críticas não têm expressão. É uma ficção a ideia da burocracia exagerada».

Claro que não faltou logo a maledicência: na mesma notícia, é dito que Marques Mendes declarou que «Quando os idosos, para acederem a um complemento que é justo, têm que preencher oito impressos e 13 declarações, é o máximo da burocracia». Já no site da UGT pode ler-se: «(..) promova uma acção especial visando informação personalizada aos idosos e a ajuda no preenchimento dos impressos necessários, tanto mais que a regulamentação é excessiva e desnecessariamente muito complexa». E na página da CGTP: «A CGTP-IN chama a atenção que estamos certamente perante o direito à prestação mais complexa e burocrática, até hoje realizada por um Governo, nos 30 anos de democracia».

Más-línguas! Pura inveja! Detractores sem escrúpulos! Não pode o Governo apresentar uma medida que é logo de todos os lados vilipendiado. Uma vergonha! É sabido que o facto de uma pessoa de 80 anos ter de preencher oito impressos e treze declarações para aceder ao CSI é a forma, tão engenhosa quanto filantrópica, que o Governo engendrou para manter os nossos velhinhos saudáveis. É já consensual que os idosos devem manter uma constante actividade cerebral para afastarem os espectros da senilidade precoce, da aterosclerose ou da doença de Alzheimer. Há quem recomende a prática de jogos mentais, de palavras cruzadas ou até do novel Sudoku. O nosso Governo, sempre na vanguarda, resolveu dar um passo em frente e arranjou outra ocupação, quiçá ainda mais estimulante do ponto de vista intelectual: o preenchimento de oito impressos e treze declarações.

Se pelo meio, for ainda necessário meter uma acção aos próprios filhos, tanto melhor para os nossos idosos! Que melhor forma de ocupar os seus longos dias do que proceder finalmente àquela pequena vingança pela quantidade de fraldas que tiveram de mudar à sua prole? Adeus, Alzheimer. Adeus, aterosclerose.

Por tudo isto, creio que esta é uma das acções mais meritórias protagonizadas até à data pelo Governo de José Sócrates: um plano com preocupações sanitárias e que equilibra a justiça social com a... Justiça, ela própria. Aliás, julgo que, para este programa, nome mais apropriado do que CSI não há...

01 março 2006

Óscares

Os Óscares estão aí. Este ano, ainda não vi nenhum dos filmes nomeados para a categoria de... hum... para nenhuma das categorias. Na verdade, à excepção dos filmes «Munich» e, principalmente, «Brokeback Mountain», também não li nada de substancial em relação a nenhum deles. Destes dois filmes que nomeei já ouvi e li, como é óbvio, variadíssimas coisas, não fossem eles tema de diversas controvérsias. Não retive quase nada para além do facto de «Brokeback Mountain» ser uma fita de cowboys gays e de «Munich» ser um filme em que os judeus aparecem como vingativos e maus. Não obstante, parece-me que reúno todas as condições para poder opinar clara e assisadamente, com tanto conhecimento de causa como o mais informado crítico de cinema. Assim, temos:

Brokeback Mountain – filme que retrata uma relação homo-erótica entre dois vaqueiros, ao longo dos anos (e veja-se como eu evito as piadas fáceis...), feito sobre o fio da navalha, mas evitando chocar ou ofender o espectador médio. Este, após ultrapassar o desconforto inicial de ver intimidades (ma non troppo...) entre dois machos supostamente varonis, a meio passa a torcer por um happy ending e acaba o filme desgostoso com a homofobia dos outros. À saída, anda à pancada com um gajo que o calcou.

Capote – gosto do título: Capote. É tonitruante. Baseado na vida do escritor Truman Capote, é aquilo que se convencionou chamar de biopic: em português, julgo que se poderia dizer filme biográfico; contudo, convenha-se que biopic é mais faustoso. Biopic será. O senhor Truman escreveu um livro chamado «A Sangue Frio» que foi um grande sucesso, baseado em factos reais. Portanto, escreveu um romance que pouco tinha de ficção. E esse foi o seu ovo de Colombo. Admiti-lo, quero dizer. Propagandeá-lo, até. Ou seja, aquilo que toda a gente até então fazia às escondidas, envergonhadamente, ele fê-lo de forma declarada. Depois dele, poucos lhe seguiram o exemplo: a maioria dos livros são pura ficção e qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência...

Crash – julgo que traduziram para «Colisão», mas não garanto. A minha primeira reacção ao saber que «Crash» fora nomeado para um Óscar este ano foi de inteira perplexidade: mas então o «Crash» já não tem uns dez anitos? Depois percebi que não se tratava do filme de David Cronenberg, mas antes de um filme de 2005 de Paul Haggis. E tive pena...

Good Night and Good Luck – também gosto deste título. O meu sonho é escrever um livro cujo título seja «Adeus e Boa Tarde» ou «Até Amanhã e Obrigado» ou «Beijinhos e Abraços». Claro que com a Margarida Rebelo Pinto e afins a inundarem o mercado editorial com as suas fantásticas obras, se eu não me despachar, já não terei possibilidades de usar os títulos supra-mencionados (e vai daí, o Paul Haggis também chamou «Crash» ao seu filme). Foi aquele pediatra da série «ER» («Serviço de Urgência», creio) que o realizou e, por isso, deverá ser o favorito do público feminino.

Munich – é um filme de Steven Spielberg. Desta vez, porém, as coisas parecem não correr da usual forma delico-doce. Ou, pelo menos, algumas reacções não o foram. Aparentemente, o bom do Steven quis desbaratar o seu crédito junto dos judeus depois de ter sido incensado por estes após o filme «A Lista de Schindler». Conseguiu-o. Em «Munich», parece que os judeus só marginalmente são tratados como vítimas, o que, seguramente, muito os terá entristecido; a maior parte do tempo, eles são os algozes que procuram a vingança e prosseguem os seus fins criminosos sem olhar a meios, aplicando a Lei do talião. Uma lufada de ar fresco na cinematografia mundial. Pena ser um filme sem qualquer verosimilhança dado que não passa pela cabeça de ninguém que os judeus, alguma vez, sejam outra coisa que não vítimas da tirania alheia. Mas, pronto, também por isso é que esta obra ficou a cargo daquele que nos pôs a todos a chorar com a iminente morte de um extra-terrestre que, creio bem, também é coisa que está por provar existir...

O meu favorito? Até ver, «Brokeback Mountain». Está para a homossexualidade como «Philadelphia» esteve para a SIDA em 1993. Hum... e, afinal, quem ganhou foi «A Lista de Schindler», de Spielberg (mas, dessa vez, ele estava do lado certo da causa...).