11 fevereiro 2006

Túnel de Ceuta

Afinal, parece que foi Rui Rio o grande vencedor da querela em volta do túnel de Ceuta. Aparentemente, foram as suas teses que vingaram, com pequenos retoques de fachada para salvar a face da Ministra da Cultura e do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR).

Acusado de desfear a frontaria e as cercanias do Museu Nacional Soares dos Reis, situado no Palácio das Carrancas, o túnel era objecto, há já largos meses, de uma disputa entre a Câmara Municipal do Porto e o IPPAR, disputa essa que, a determinado momento, envolveu também o Ministério da Cultura, através da senhora ministra, que defendia as teses do instituto público.

A minha surpresa, desde o início, foi o facto da polémica envolver o Ministério da Cultura. É óbvio que compreendia que o túnel de Ceuta, em pleno centro do Porto, causasse perplexidades e engulhos ao Governo, mas sempre pensei que a reacção viria do Ministério da Administração Interna, na minha opinião, quem deveria emitir uma opinião sobre o assunto e que se manteve surpreendentemente mudo durante todo este processo.

Embora esteja solidário com Rui Rio – que, mais uma vez, deu mostras do espírito de solidariedade e de cooperação com os mais desfavorecidos que é já seu apanágio –, compreendo perfeitamente que Portugal, integrado na União Europeia e subscritor dos Acordos de Schengen, não poderá de ânimo leve e ao arrepio dos tratados internacionais promover um túnel que ligará o Porto a Ceuta.

Bem sei que é o mais puro espírito solidário que move o seu promotor, numa ânsia de dar resposta aos milhares de refugiados que chegam a Ceuta e esbarram na arrogância espanhola que lhes fecha as portas do paraíso prometido. Num assomo de coragem e de espírito de missão, Rui Rio empreendeu esta grandiosa obra, que muito o enobrece a ele, pessoalmente, e a nós, como país, pois os refugiados escorraçados por Espanha em terras marroquinas têm assim a sua oportunidade de entrarem no espaço europeu, como desejam e pretendem. Mas obviamente que isso causa problemas diplomáticos, sociais e económicos. Problemas esses que, numa primeira fase, me parecem mais da competência do Ministério da Administração Interna ou até do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou ainda do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social. Agora o Ministério da Cultura? E, no meio de todos estes problemas, o único que saltou à vista do Governo foi a diminuição do esplendor das cercanias do Palácio das Carrancas? Do Palácio das Carrancas?? Algo não está bem…

Até porque tivéssemos nós um Ministério da Cultura em condições e a sua preocupação seria antes a de promover um comité de boas-vindas, proporcionando de imediato aos refugiados uma visita guiada ao Museu Nacional Soares dos Reis, rezando para que não reparassem que a primeira imagem que lhes dávamos a ver de Portugal era umas carrancas – não fossem pensar que nós torcíamos o nariz à sua chegada. Aliás, julgo que se poderiam sentir identificados com essa magnífica escultura, Desterrado, de Soares dos Reis, e assim adquirir uma imediata empatia pelo nosso país.

Não quero que fiquem dúvidas: obviamente, aplaudo o engenho e a inventiva desse grande filantropo, desse grande samaritano desinteressado que está à frente da Câmara Municipal do Porto e que responde pelo nome de Rui Rio; condeno a falta de visão e a xenofobia de um Governo da República que tudo fez para embaraçar esta grandiosa obra humanitária; considero apenas que, estando Portugal na União Europeia e no Espaço Schengen, esta obra deveria ter sido precedida de concertação e negociações com os nossos parceiros europeus. Lacuna essa que, obviamente, assaco ao Governo e nunca a esse caritativo e esmoler Rui Rio, Pai dos Pobres e Refugiados. Um grande bem-haja para si!

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