19 novembro 2018

Abate-ò-bovino

A empresa Chicheiro - Tipo Frankfurt, SA tem a honra e o privilégio de informar os portugueses de que irá organizar o grandioso espectáculo de Abate-ò-bovino que decorrerá na próxima 6ª-feira no monumental Matadouro Municipal de Curro-o-Novo, pelas 17 horas. Seis magníficos bois, seis, quatro gordas e bonitas vacas, quatro, e duas tenras vitelas, duas - provenientes do afamado porqueiro, vaqueiro e eguariço Ega do Manso -, serão executados lenta e denodadamente por três magarefes de máximo prestígio aquém e além-fronteiras: o conceituado Mestre Santiago Carniceiro, o já consagrado Afonso d’Açougue e a jovem esperança do degoladouro nacional Beatriz Biltre, acolitados pelas respectivas quadrilhas de marchantes.

O espectáculo respeitará a tradição, pelo que os magarefes, enquanto se saracoteiam jovialmente no seu esplendoroso traje de luzes, irão alternando a cravação de pequenos estiletes adornados com fitinhas púrpuras e douradas, com a fixação de cutelinhos decorados com lantejoulas, no lombo do animal, ao som de pasodobles, árias de Bizet, modinhas populares e funk brasileiro - interpretados pela respeitabilíssima Banda Filarmónica da Sociedade Desportiva, Recreativa e da Tradição Cultural de Imolação do Ribatejo, que abrilhantará o evento. Os animais, que serão abatidos à vez, terão a distinção de, entre cada golpe sofrido, poderem, se assim lhes aprouver, correr atrás de uma opa vermelha superiormente manobrada para aqui e para ali, para trás e para diante, pelos mais insignes representantes actuais desta milenar arte de bem fazer bifes.

Os bovinos, nos casos em que tal procedimento foi necessário, tiveram os seus cornos previamente serrados e guarnecidos de bolas de ferro forradas a couro para manterem a liça justa e equilibrada com os corajosos, bravos e destemidos magarefes, magníficos nos seus fatos de frufrus e colãs rosa choque, que com certeza proporcionarão uma jornada grandiosa que entrará directamente para os anais da história da chacina nacional - para deleite da veneranda assistência aficionada do abate de animais em espectáculo pago.

Informa-se o respeitável público que queira participar desta antiquíssima manifestação cultural que apenas estão disponíveis bilhetes para o sector Sombra, variando os preços entre os 20 e os 50€, consoante a maior ou menor aversão que o espectador tenha aos salpicos de sangue - de uns - e de suor - de outros - dos intervenientes do espectáculo.

Mais se informa que os bois, vacas e vitelas não pagam bilhete.

08 março 2007

Reforma adiada

A RTP está presentemente a comemorar 50 anos de actividade. O Governo de José Sócrates já avisou que, para efeitos de reforma, a empresa precisa de mais uns 50 anos de trabalho dado que pelo menos metade da sua laboração foi puro entretenimento...

O papel de Portas

Paulo Portas anunciou há dias que vai disputar a liderança do CDS/PP, voltando à política activa.

Muito bem. Fica então esclarecido o seu papel...

07 março 2007

Aos seus postos!

Ouvido pela instalação sonora de um supermercado:

- Funcionária da limpeza... Funcionária da limpeza, é favor chegar junto à esfregona!

06 março 2007

Parabéns

Com alguns dias de atraso, mas cá fica a referência: este blog tem já a provecta idade de um ano! Espantoso!

Vou fazer-lhe uma festa!... Ou um carinho. Talvez um afago...

05 março 2007

Ódio de estimação

Odiava tanto a sogra, mas tanto mesmo, que sempre que tinha de lhe dar boleia desligava o airbag do passageiro...

11 fevereiro 2007

Proposta de Referendo (II)

Slogans do Sim à Despenalização da Corrupção:

Sem o sim não há solução

A penalização não é solução

A oportunidade é agora!

O sim é responsável

Abstenção para manter a prisão?

“Punida com prisão até 3 anos” – vota sim para mudar a lei

A corrupção clandestina existe: é urgente mudar a lei

Proposta de Referendo

Concorda com a despenalização da corrupção voluntária do corrompido, se realizada, por opção deste, até aos 100 000 Euros, em estabelecimento de corrupção* legalmente autorizado?

*Nomeadamente, Câmaras Municipais, Clubes de Futebol, Sedes de Partido, etc.

07 fevereiro 2007

Cenas de hospital (conclusão)

Desde que estava na sala de espera que ele, de ouvido atento não fossem chamá-lo, apenas ouvia duas coisas: o barulho duma música (que percebeu, quando foi atendido, ser proveniente dum leitor de cd’s que dois enfermeiros escutavam, enquanto um outro jogava “paciências” num computador) e o barulho de vozes, manifestamente numa amena cavaqueira. Julgou tratar-se de mais dois acompanhantes que, assim, trocavam experiências, até ao momento em que viu sair da sala de ortopedia dois senhores de bata branca: afinal, eram apenas os médicos que conversavam.

Um deles saiu dali (não deveria ser ortopedista) e o outro foi falar com alguns dos doentes do corredor (os das macas!!). Quando este médico voltou a entrar na sala de ortopedia, ele ouviu de imediato o seu nome ser chamado. Não podia ser! Já? Entrou esperançado na sala, mas o médico, sem olhar para ele, apenas lhe disse: Vá aqui com este senhor ao Raio-X lá acima porque o das Emergências está avariado. Desta vez, qual teria sido a operadora telefónica culpada?...

Lá foi ele com o auxiliar que, por seu lado, empurrava uma doente que (claro!) ia numa maca. Mandaram-no esperar numa antecâmara por que fosse chamado. Nunca ele se sentira tão importante: numa só noite, já tinha sido mais chamado do que em toda a sua vida! Enquanto esperava, actividade assaz desgastante, foi escutando o que dois acompanhantes diziam: Parece que ela tem o dinheiro todo na lata de bolachas. Foi a Sãozinha que disse. Uma vez pediu-lhe dinheiro emprestado e viu-a tirar um maço de notas da despensa. Cheiravam a bolacha maria. A sério? Não pode ser! Sempre pensei que guardasse num impermeável dentro do autoclismo! Sempre que lá vou a casa, passo horas no quarto de banho a tentar desmontar o raio do autoclismo... E não terá também algum debaixo do colchão? Não sei, amanhã vemos. Ou hoje à noite, quem sabe. Mas aquele médico antipático disse que se calhar se safava. Será que ainda não vai ser desta? Não sei, tenho andado tão preocupado, não faço ideia em que mais esconderijos possa ter escondido o dinheiro! Pois é, sempre tão desconfiada, parece que não confia em nós! Afinal, somos a sua família, caramba! Preocupamo-nos com ela!...

Entretanto, foi chamado e não pôde continuar a ouvir tão interessante diálogo. Fez a radiografia e disseram-lhe para voltar ao ponto de partida, sem receber dois mil escudos. Assim fez. Novamente na sala de espera. Novamente doentes em maca na pole position, ou seja, no corredor. Desta vez, porém, estava um outro doente na sala de espera. Ao telemóvel: Estou? É do 112? Sim, boa noite. Era para comunicar uma emergência. Caí nas escadas de minha casa e receio ter partido uma perna. Sim, uma perna, dói-me muito. Estou sozinho, sim. Onde estou? No hospital! Sim, no hospital. Espere, espere, não desligue, isto é mesmo uma emergência, estou aqui há cinco horas, estou cheio de dores e ninguém me atende! Mandem-me uma equipa do INEM, por favor. Estou? Estou?

Foi chamado, novamente. Sentia-se um dos eleitos. Muitas vezes passamos por esta vida sem sermos nunca chamados e ele, numa só noite, parecia uma central telefónica. Repare, disse-lhe o médico, apontando para a radiografia, não tem nada partido. Está óptimo. Tome qualquer coisa para as dores e amanhã já nem se lembra disto.

Engoliu o orgulho e saiu, cabisbaixo. À saída, nova conversa entre dois acompanhantes: Vim aqui acompanhar um amigo que se magoou no trabalho. Mas vou já tirar uma senha, que a minha mulher não se vai acreditar nisso quando eu chegar a casa. E como o tempo de espera é de 5 horas, vai dar mesmo à justa. Espero que, desta vez, ela não utilize a vassoura: é que dói mesmo muito!...

26 janeiro 2007

Cenas de hospital (I)

Ele entrou no hospital, deram-lhe uma pulseirinha amarela. Tempo de espera previsto: cinco horas. Foi atirado para um corredor onde outros doentes se amontoavam e logo estes o animaram: aquele senhor ali está à espera que o chamem desde as cinco da tarde (eram onze da noite). Durante o tempo em que ali esteve ninguém o chamou, ele também não. Ainda não estava completamente à vontade...

Duas senhoras, bem perto dele, distraíam-se em amena cavaqueira: ambas eram acompanhantes de doentes. Enquanto uma acompanhava o marido que, sentado numa cadeira de rodas, não dizia palavra, outra acompanhava uma senhora idosa deitada numa maca (presumivelmente sua mãe) e tentava convencê-la a mudar a fralda ali, à frente de toda gente. Eu peço a todos os senhores para saírem. E logo acrescentou, indicando o marido da sua companheira de conversa: Excepto este senhor, este senhor não precisa de sair.

Ele ficou intrigado: o tratamento de excepção seria devido ao facto do senhor ser também doente? Mas isso não tinha lógica porque todos ali (à excepção das duas senhoras) eram doentes. Então seria porque o senhor era marido da sua companheira de ocasião? Assim parecia ser. Para seu secreto regozijo, a senhora idosa, contudo, preferiu continuar a marinar.

Passados uns quinze minutos levaram-no, para inveja dos que ficavam, para “dentro”. Parecia uma evolução, mas afinal mandaram-no esperar que o chamassem numa sala de... espera. A sala estava vazia. Uns três ou quatro doentes, em macas, esperavam no corredor. Pareceu-lhe injusto: estando no corredor mais facilmente seriam lembrados e mais rapidamente atendidos por qualquer médico que passasse. Enquanto ele, desterrado, longe da vista, numa sala deserta, não seria mais para os médicos de que uma ficha de admissão (a propósito, ele achava indecoroso o facto de, na triagem, apenas lhe terem perguntado o que tinha provocado aquele infeliz incidente; não lhe perguntaram o quanto lhe doía, quanto sangue havia perdido e como estava psicologicamente afectado; deste modo, era evidente que qualquer doente numa maca lhe passaria à frente!).

Ficou mais sossegado quando percebeu, passada uma meia-hora, que afinal não havia qualquer médico que passasse no corredor; assim, os doentes nas macas não teriam qualquer privilégio. Na verdade, o único movimento visível da sua sala de espera era o de alguns auxiliares que passavam, atarefados, com umas arrastadeiras de um lado para o outro. Felizmente, ele não conhecia nenhum e não teve de os cumprimentar...

07 novembro 2006

Mau senso

Entre dois contentores do lixo, junto ao marco do correio, em frente à farmácia central, estava o meu automóvel. Estacionado. Eu estava lá dentro. Sentado.

Então o contentor do lixo à minha esquerda olhou para o seu congénere à minha direita, piscou-lhe o olho, o segundo retribuiu-lhe com um gesto com o polegar e, sincronizadamente, afastaram-se entre sorrisos. O marco do correio acenou com a cabeça em sinal de aprovação após o que desatou à gargalhada, atingindo-me.

Intimidado, amedrontado, desprezado, dei a volta à chave na ignição e convenci-a a ficar comigo. Juntos, pusemos o carro em andamento e, após percorrermos dois metros, parei o automóvel, abri a porta e saí de rompante, deixando o motor a trabalhar.

Entrei na farmácia central. Disse-lhes que o motor estava gripado. Não acreditaram. Intimidado, amedrontado, desprezado, comprei então uma ligadura elástica e um termómetro. Estava calor, confirmei. Saí triunfante, mas eis que deparo com um polícia a autuar o meu carro. Solidário, corri. E continuei a correr. Nunca mais vi o meu carro, desde então.


(Torci um tornozelo de propósito para poder usar a minha ligadura elástica. O dono do tornozelo, maldosamente, perseguiu-me com ameaças e insultos, ao pé coxinho).

(Continua quente, reparo).

30 outubro 2006

Nicho de mercado

Ando esfuziante: encontrei um nicho de mercado e vou explorá-lo, avidamente. Tenho a certeza de que será uma fonte de rendimentos constante, elevada e segura. Será aqui que irei amealhar o meu pé-de-meia e poderei assim viver confortavelmente o resto dos meus dias. É um negócio garantido, firme. Não tenho qualquer dúvida de que é de confiança. Aliás, a única coisa que me intriga é o facto de ninguém, antes de mim, se ter apercebido desta mina de ouro!

Mas agora que já acautelei os meus interesses, não tenho qualquer problema em revelar de que negócio se trata: nichos de mercado! Exactamente: irei vender nichos de mercado! Já aprovisionei o meu stock e tenho nichos de mercado para vender, para todos os gostos, em todos os tamanhos e de todas as cores: nichos de mercado bolorentos e nichos de mercado de última geração; nichos de mercado esconsos e nichos de mercado espaçosos e de amplas vistas; nichos de mercado do tamanho de um nicho e nichos de mercado grandes, voluptuosos, deslumbrantes; nichos de mercado para as lojas dos trezentos e nichos de mercado pagáveis em suaves prestações durante uma vida.

Enfim, nichos e nichos de mercado, que, se agregados, seriam maiores do que o próprio mercado!

Barato!

28 maio 2006

(In)Dependência

O meu sobrinho, que tem um ano e meio, anda a tentar deixar a chupeta. A família apoia-o nesse esforço: já fomos à farmácia comprar os pensos de substituição...

23 maio 2006

Casamentos (conclusão)

[cont.]


Pelo que o remédio é aguentar e esperar por que, o mais rápido possível, a noiva nos venha arrancar para o clássico passo de dança. O mais rápido possível para, assim, nos vermos rapidamente libertos dessa obrigação. É curioso verificar que o instinto masoquista dos noivos não tem limites: a primeira música a ouvir-se é sempre uma valsa e são os pobres coitados dos recém-casados que têm de, perante os olhares de toda a gente, demonstrarem a sua inata inaptidão para a dança. O noivo, é sabido, é completamente incompetente para qualquer tipo de dança e passa o tempo todo da execução da valsa a dizer baixinho «1-2-1, 1-2-1» enquanto tenta não calcar mais do que meia dúzia de vezes o vestido da noiva; esta, por seu lado, até se sairia airosamente se a dança fosse salsa ou, até, um samba, mas, sendo uma valsa, tenta apenas fugir com os seus delicados pezinhos às patorras do seu esposo. Debalde.

Quando os instintos sádicos da audiência se dão por contentes, a pista de dança começa a ser invadida por outros intérpretes, escondendo os noivos. É normalmente por esta altura que eles, vingativos, começam a percorrer as mesas e a levar, obrigados, os convidados para um pezinho de dança. Portanto, não convém oferecer resistência e resolver o assunto o mais airosamente possível.

Pela minha parte, por esta altura até já começo a sentir pena dos noivos e o inusitado número de vezes que tropeço no vestido da noiva e calco os seus pés, enquanto danço com ela, é apenas originado pela minha inépcia para a dança e não por qualquer resquício de sentimento de vingança que ainda pudesse vigorar. Juro.

E pronto. O casamento vai caminhando decadentemente para o seu fim. É a altura dos primos oprimidos aparecerem em palco, etilicamente animados, demonstrando a sua já suspeitada inaptidão para a dança, mas, por outro lado, comprovando a sua proverbial queda (em mais do que um sentido…) para provocarem constrangimento em todas as pessoas de bem, com destaque para os pobres coitados dos seus esponsais familiares. Alguém atalha à desgraça geral sugerindo que se corte o bolo da noiva. Os noivos, com um sorriso amarelo e com mais vontade, verdade seja dita, de cortarem as tripas aos primos que tão publicamente os embaraçaram, cumprem a sua função, sorrindo para as fotografias da praxe e fazendo o brinde final.

Estando, nesta fase, eles próprios já algo alcoolizados, os noivos entrelaçam as taças e bebem o champagne, enquanto pensam: Mas que família horrorosa que tu tens! Não admira que tivesses gostado tanto da minha família. Ainda bem que Natais, Passagens de Ano e Páscoas vão ser sempre em casa dos meus pais. E aos domingos, idem. Porque será que estás a olhar para mim com esse sorrisinho palerma? Se soubesses a quantidade de vezes que durante todo o dia me arrependi disto… Essa coisa horrorosa na tua testa é uma espinha? Espero que não vás agora arrotar à frente desta gente toda... Ah, quando eu encontrar uma cama para me deitar…Solta-me o braço, anda lá! E vê lá se não vais partir a merda da taça de champagne agora! Olha, continua com o sorrisinho idiota!...

09 maio 2006

Casamentos (continuação)

[continuação]

A festa, é sabido, ocorre numa dessas quintas que pululam pelo país e cuja proliferação pede meças à dos coelhos. Da igreja até à quintarola vai-se normalmente em excursão, até porque só uns iluminados sabem exactamente o percurso, razão para mais uns atrasos pois há que esperar por que toda a gente esteja pronta para partir. Claro que quem comanda o pelotão vai tão inebriado a apitar desalmadamente, como se o FC Porto tivesse acabado de ser Campeão Europeu mais uma vez, que nem repara que o grosso da coluna que supostamente liderava ficou retido nos últimos semáforos. Nada que uma chamada de telemóvel mais colérica do pai da noiva – que, entretanto, também ficara retido nos semáforos – ao irmão do noivo – o tal dos festejos do FC Porto – não resolva.

Chegados à quinta, lamentamos não ter um jipe pois vamos mesmo ter que estacionar o nosso automóvel em cima da lama. Claro que nem um jipe resolveria o problema de, ao sairmos do carro, termos de chapinar com os nossos delicados sapatos de cerimónia por entre o lodo. Resultado: sapatos apertados e, agora, também enlameados. O dia continua a correr bem…

Antes que nos sirvam qualquer coisa, e apesar de já passarem três horas da nossa habitual hora de refeição, há que tirar umas fotografias com os noivos. Os coitados, ainda mal refeitos da violência com que eu lhes atirei o arroz à cabeça, vão agora ter de passar longos minutos de pé, sorriso amarelo, enquanto os convivas vão desfilando a seu lado, fazendo uma pose para a posteridade. Também eu não me posso furtar a esse cliché e é com um sorriso sádico, de quem sente a sua vingança a ser servida, que normalmente apareço nas fotografias de casamento. Picado o ponto, escapulo-me para uma das salas onde já se começa a servir as entradas. Interiormente rio-me por saber que os noivos ainda estão a uns bons três quartos de hora de ingerirem qualquer coisinha…

A um dado momento, é dada ordem para nos sentarmos, finalmente, à mesa. Eu deixo-me cair com estrondo para cima de uma cadeira, já nem sabendo se estou mais fatigado do que esfomeado… quando chega a comida, porém, a dúvida resolve-se-me e começo a comer como um alarve.

É obsceno o tempo que medeia entre os diversos pratos. Apesar de comer fartamente e de repetir mais do que uma vez, é certo que terei de ficar um tempo incomensurável à espera que a avozinha da noiva acabe de comer o primeiro prato antes que sirvam o segundo (o problema é que a avozinha da noiva, afectada por Alzheimer, coitada, levou à letra «comer o primeiro prato»…). Vem o segundo prato e eu manifesto, novamente, o meu saudável apetite. Mais uma vez, é vergonhoso o tempo que se tem de esperar até nos podermos servir da sobremesa. É já quando estou a ponderar seriamente o «gerontocídio» que, por norma, se dá ordem para se passar às sobremesas. Sobremesas essas que, muito frequentemente, são indignamente escassas.

Estou eu a debater-me com o alambazado do primo do noivo pelo último bocado do bolo de chocolate quando chega o maior terror da noite: o disco jóquei! Esta figura sinistra ganha a vida a pôr música detestável, do mais pindérico e/ou saudosista e/ou pimba que existe, nas festas mais detestáveis que existem (os casamentos, claro). Aproveitando a música, finjo um passo de dança e mando um grande encontrão ao primo do noivo, desequilibrando-o, e abrindo finalmente caminho para o último bocado de bolo de chocolate. Desta forma, até consigo suportar os primeiros cinco minutos de música que, em qualquer outra ocasião, me faria fugir a sete pés. No entanto, não é socialmente aceite sairmos espavoridos ou, alternativamente, aplicarmos ao disco jóquei o mesmo passo de dança aplicado ao primo do noivo para assim assumirmos nós a responsabilidade pela harmonia e bom gosto musicais. Infelizmente.

[continua]

20 abril 2006

O fim da infância

Quando eu era criança, já lá vão uns meses, havia uns desenhos animados que apreciava bastante: Tom & Jerry (portanto, já vem daí esta minha propensão masoquista, dado que eu torcia sempre pelo Tom e, era sabido, quem levava sempre a melhor era o Jerry. Enfim…).

Já há vários anos, contudo, que não os via na televisão. Julguei-os retirados, gozando uma bem merecida reforma (sobretudo o Tom) ao sol da Florida, após tantos anos de trabalho incansável (mais o Tom). Mas agora fui informado da triste realidade: afinal, parece que aqui há uns anos, durante a rodagem de mais um filme, o Tom ia ser vítima, inexoravelmente, de mais uma tropelia do Jerry. No caso, o sádico do Jerry ia despenhar um piano de cauda sobre os costados do pobre Tom. Chegou a fazê-lo, aliás. O pobre do Tom, dessa vez, não resistiu aos ferimentos.

O alarve do Jerry escapou com uma pena suspensa…

18 abril 2006

A literatura em Portugal

A multiplicidade de livros é um grande mal. Não há limites para esta febre da escrita; toda a gente quer ser um autor; alguns por vaidade, para obterem fama e construírem um nome, outros pelo mero lucro.
Martinho Lutero



Fico abismado com a quantidade de novos autores portugueses que têm sido publicados recentemente. Autores, digo eu. Porque sou uma pessoa simpática. Em qualquer caso, a produção literária – literária, … digo eu – exponencial a que temos vindo a assistir nos últimos tempos é, com certeza, reflexo da nossa actual pujança cultural e artística.

Aliado a isso, o facto de haver, segundo alguns estudos, mais portugueses a ler livros – livros, já se sabe, sou eu que o digo… – e de alguns destes noveis escritores (escritores, optimismo meu) terem já no seu currículo um ou outro êxito de vendas, indicia que o nível de literacia dos portugueses aumentou a olhos vistos e que a sua apetência por cultura, ou mais especificamente, por literatura (literatura, exagero da minha responsabilidade) sofreu um acréscimo idêntico.

A sociedade portuguesa está finalmente a dar passos consolidados no bom sentido. Que bom que é ver os portugueses embrenharem-se em obras literárias!... (Continuo simpático). Quando tantos profetas da desgraça proclamam que esta geração está perdida, que bateu no fundo, que os jovens só se conseguem concentrar em frente a um computador jogando um shoot them all e que só consomem produtos culturais do género clips da MTV, eis que os portugueses respondem elevando os seus níveis culturais, deleitando-se com um bom naco de prosa (ou, quiçá, de poesia), dos muitos que ultimamente têm saído do prelo. Não contentes com isso, muitos deles (tantos deles!) contribuem activamente para o enriquecimento cultural da sociedade portuguesa publicando os seus próprios livros!

Isto é tanto mais extraordinário quanto alguns destes recentes autores são publicados, alguns com autênticos sucessos de vendas, sem terem, eles próprios, alguma vez lido um livro até ao fim! Ou seja, passou-se de uma geração que não lia livros para outra que continua a ler poucos livros, mas, em compensação, escreve-os!

E não, caros amigos, ter lido os destaques da edição resumida d’ Os Maias não conta.

05 abril 2006

A mulher e o burro

Na edição impressa do PÚBLICO de hoje, na pág. 54, secção Pessoas, pode-se ler sob o título «A Mulher e o Burro»:

«Um livro do ensino primário usado no Rajistão (...) compara as mulheres aos burros e conclui que estes fazem mais companhia do que aquelas.»

Duas citações desse livro:

«Um burro é como uma dona de casa».
«Anda na labuta o dia todo e, tal como ela, por vezes tem que passar fome e sede».

E conclui a notícia: «O livro já motivou protestos das mulheres de um partido local.»

Assombroso! Incrível! Espantoso! Como é possível que em pleno século XXI ainda haja quem nutra tais desprezo e desdém pelos direitos dos animais e defenda que os burros devam passar fome e sede?!

Bem andam as «mulheres de um partido local» em escandalizarem-se com tal barbárie e em deixarem claro o seu protesto…

03 abril 2006

Casamentos

Eu não gosto de casamentos. De ser convidado para casamentos, quero dizer. Infelizmente, tenho grande dificuldade em arranjar desculpas convincentes para me esquivar a tantas horas de tortura.

Um casamento dura um dia todo. Já foi tempo em que durava uma vida toda. Felizmente, nos dias que correm, a sua longevidade limita-se a um dia. Mas é demasiado, ainda assim. Um dia todo confinado num fato apertado com um leve, porém permanente, aroma a naftalina, garroteado por uma gravata démodé e com os pés barbaramente enclausurados num espaço exíguo, também conhecido por sapatos de cerimónia, não é propriamente a minha ideia de um dia bem passado. Admito que um faquir ou, porventura, um daqueles filipinos que, durante a Páscoa, se deixam pregar numa cruz, considerem que ir a um casamento é um autêntico piquenique; a mim, contudo, só me ocorrem duas palavras: uma tortura!

Normalmente, está calor. Os noivos comprazem-se em casar no Verão, não consigo perceber porquê. Nunca ouviram dizer: «boda molhada, boda abençoada»? Este desprezo pela sabedoria e cultura populares enfurece-me. Isso, e o calor. E o baraço ao pescoço conhecido por gravata. Já para não falar dos sapatos de cerimónia, versão pezinhos chineses. Enfim, o dia do casamento é um suplício para mim. Mas não só, também os dias que o precedem são de extrema angústia.

Tudo começa com o convite. Os noivos chegam à minha beira e, julgando que me fazem muito feliz, convidam-me para os seus esponsais. Eu tremo de terror. Pensa, pensa, deve haver alguma desculpa que possas dar. Claro que nunca me ocorre nada. Agradeço o convite, supostamente comovido, e dou-lhes os meus mais sinceros parabéns. Rezo para que eles não notem que as lágrimas não são de comoção, mas antes de tristeza assassina…

Tenho de comprar uma prenda, claro. E o que oferecer? Actualmente, a maior parte das pessoas opta por fazer listas de casamento, o que facilita um tanto a tarefa. Infelizmente, contudo, continua a ter que se pagar… Depois, há que verificar o guarda-roupa: Ora deixa cá ver, esta camisa ainda deve dar para este casamento, ainda só a usei em um baptizado, dois funerais e uma comunhão. Claro que nos esquecemos que, entretanto e pela lei da vida, já engordámos uns quilitos desde a última vez que a usámos. Resultado: quando chega o dia D (de desespero), verificamos que já não conseguimos abotoar o botão do colarinho sem desmaiar. Como manobra de recurso, temos de o deixar desabotoado e, em contrapartida, apertar bem o nó da gravata para que não se note…muito. Os sapatos, já se sabe, resultam em tortura semelhante. Não que os nossos pés tenham crescido desde a última vez que os calçámos, mas sim porque já nos esquecemos da flagelação que atingiu os nossos delicados pezinhos aquando da pretérita utilização. Basta pormos um pé, qual Cinderela, no delicado sapatinho, e imediatamente toda a nossa vida se parece ter metamorfoseado numa grande abóbora puxada por ratos. Ou em algo ainda pior…

Assim espartilhados, dirigimo-nos para a igreja. Menos mal, as igrejas não costumam ser muito quentes e sempre têm bancos. Tento sentar-me cá para trás de forma a poder, muito discretamente, tirar os sapatitos algures durante a cerimónia. Escandalizo-me com o indecoroso número de vezes em que é necessário as pessoas levantarem-se durante a missa, por razões que me passam sempre ao lado. Ainda para mais, com esta mania de o dia de casamento ter de ser o dia mais feliz das nossas vidas, os noivos fazem questão de que a própria cerimónia religiosa se prolongue por horas, em que se vai enchendo chouriços com mais um cântico, que me lembra vagamente uma melodia dos ABBA, ou com mais uma leitura de uma passagem bíblica cujo significado – críptico para mim – o padre, de seguida, se propõe analisar esmiuçadamente.

A cerimónia acaba finalmente e eu tento disfarçar a fúria genuína com que atiro arroz à cabeça dos noivos. Mas ainda a procissão vai no adro… faltam ainda as longas horas de festa.

[continua]

28 março 2006

Perca dinheiro agora...

Pergunte-me como!

(Preço da consulta: 50€).

19 março 2006

Pessoas básicas

Eu poderia ter sido famoso, assim tivesse querido. Não quis: a veneração, a idolatria, o culto de personalidade que normalmente acompanham a fama são-me desconfortáveis. O meu carácter discreto e humilde convive mal com tais artifícios. Sou uma alma simples, gosto de privacidade e de passear incógnito pelas ruas. Não me agradaria ser assediado por hordas de fãs sempre que pusesse pé fora da porta.

Eis a razão por que deliberadamente não me destaco dos demais. Eis a razão por que escondo os meus múltiplos talentos. Eu sou assim: modesto, recatado e despretensioso. Claro que me é difícil, por vezes, esconder os meus tão diversificados quanto extraordinários atributos. Tenho sempre de andar atento e vigilante para não me denunciar a mim próprio e para não me destacar dos meus pobres concidadãos não tão bafejados pela Providência no que à acumulação de qualidades diz respeito.

Por vezes, vou na rua, distraio-me e começo a trautear uma música que me entrou no ouvido; embalado, a dada altura já canto a plenos pulmões e completamente compenetrado, e só após alguns instantes reparo que há já uma multidão à minha volta a escutar-me com evidentes surpresa e admiração estampadas no rosto. Apanhado em falta, recupero a minha auto-censura e começo deliberadamente a desafinar (algumas pessoas, mais básicas, coitadas, pensam que eu desafino inadvertidamente…) de molde a afastar as suspeitas que se começam a formar na cabeça dos meus ouvintes de ocasião. De outro modo, por esta altura haveria já muito boa gente a pensar que, à minha beira, o Pavarotti tem um timbre de cana rachada ou que o Frank «The Voice» Sinatra mais parecia, afinal, um gatinho desmamado.

Outras vezes, vou no comboio em hora de ponta e começo distraidamente a desenhar no meu bloco de apontamentos com a minha lapiseira. Distraio-me e deixo vir ao de cima todo o meu talento artístico, de tão embrenhado que estou na actividade de desenhar. Só começo a suspeitar de que algo de errado se está a passar quando vejo uma caterva de cabeças debruçadas sobre o meu desenho, mais uma vez dominadas pela surpresa e admiração, e esmagadas pelo meu talento. De pronto, e para matar à nascença os rumores que começam a circular (qualquer coisa como o Picasso parecer mais um pintor de construção civil quando comparado comigo…), começo propositadamente a desenhar curvas onde deveriam estar rectas e vice-versa, enquanto vou borratando o desenho com o polegar (as mesmas pessoas básicas – e invejosas! - de há pouco, coitadas, pensam que só há tanta gente a olhar para o meu desenho porque, mais uma vez, eu estava a desenhar um motivo para maiores de 18 anos. Tais desconsideração e desdenho pela Arte não me merecem comentários…).

Não se pense contudo que os meus atributos se limitam ao domínio das artes. No que toca a qualidades e dons, eu sou muito ecléctico e poder-me-ia destacar sem quaisquer dificuldades em qualquer domínio da actividade humana. Na escola, por exemplo, foi com grande dificuldade que consegui disfarçar a minha evidente superioridade sobre os meus colegas em qualquer matéria leccionada. E passei agruras, falhando respostas propositadamente nos testes, inclusive tirando negativas aqui e ali, tudo por mor de não querer humilhar os meus amigos nem querer destacar-me da média. Na matemática, por exemplo, em que poderia ter sido sem qualquer dificuldade um novo Pitágoras, fingia não saber quanto é o seno de π, levando ao desespero os meus professores, ou errava propositadamente no cálculo da raiz quadrada de 121. Claro que havia alguns colegas meus (básicos, coitados) que achavam que eu falhava por mera ignorância ou falta de estudo. Mas era esse o preço a pagar pela minha escolha de não me querer destacar dos demais, embora o pudesse fazer facilmente, e eu aguentava-o, estoicamente, com um sorriso nos lábios (e um murro na cara dos meus colegas…).

Já no desporto, por sua vez, a dificuldade seria escolher em que modalidade me poderia destacar: teria sido facilmente um exímio futebolista, um excelso sprinter, um extraordinário ciclista, eu sei lá… Mas não, fiel à minha filosofia de vida, eu deixava-me ficar pelo meio do pelotão nas corridas e jogava apenas medianamente futebol ou outros desportos. Claro que as pessoas, básicas, coitadas, achavam que eu era apenas mais um, sem grande queda para o desporto – a não ser quando, manifestamente por excesso de zelo, eu me espalhava no chão na disputa de uma bola ou a meio de uma corrida…

Enfim, não é fácil este meu caminho. Para alguém cujas qualidades, atributos e dons são em tal qualidade e quantidade, a vida não é meiga. Sobretudo quando se escolhe, como eu o fiz, usar só parcialmente esses recursos, de forma a não destoar da média nem a ser catapultado para a fama, a celebridade, o dinheiro, o poder… A minha alma simples, a minha modéstia inata, a minha humildade congénita não me permitiram outra escolha. Não tive outra saída.

Algumas pessoas, básicas, coitadas, concordam comigo neste ponto: eu não tive outra saída…

13 março 2006

Crítico cinematográfico

Afinal, falhei: quem ganhou o Óscar para melhor filme foi «Crash». Temo que a minha carreira como crítico cinematográfico tenha abortado antes mesmo de começar. Temo também que este facto ainda me leve a responder em tribunal, enquanto não é convocado um referendo para alterar a lei. Em minha defesa, só posso dizer que a interrupção da minha carreira não foi voluntária; aliás, cheguei a acalentar esperanças de poder ter um futuro auspicioso enquanto crítico de cinema, na especialidade de «crítico-que-critica-sem-ver-os-filmes». Bem sei que a concorrência, neste nicho de crítica da sétima arte, é feroz e desapiedada, mas, tivesse eu começado com sucesso as minhas antevisões (em mais do que um sentido) e prognósticos, e já nada me deteria até à fama universal.

Esse intento saiu frustrado, contudo. É verdade que «Brokeback Mountain» ganhou o Óscar de melhor realização; mas não conseguiu ganhar o de melhor filme e isso arruinou o meu prognóstico… não sei o que correu mal, não compreendo… E agora, o que fazer? Talvez vá ainda a tempo de enveredar pelo ramo da crítica que efectivamente vê os filmes antes de opinar sobre eles. Sei que parece uma atitude descabelada, talvez até contra-natura, mas julgo que é o caminho que me resta.

Há vantagens, efectivamente: a concorrência é menor, obtêm-se uns bilhetes de borla e fazem-se umas amizades interessantes. Hum… e vai daí, isto é capaz de me preocupar. Talvez prefira a misantropia…

08 março 2006

Gripe das aves II

Serei o único a achar esquisito que haja gatos a morrer de gripe… das aves? Quer dizer… Organizem-se, organizem-se… senão, um destes dias ficamos entregues à bicharada…

Gripe das aves I

Um gato alemão fez uma emboscada a um pássaro que andava pelas redondezas. Encurralou-o. Saltou-lhe para cima. Apanhou-o e, de seguida, comeu-o. O pássaro estava engripado e transmitiu-lhe o vírus. O gato, passados uns dias, morreu.

Moral da história 1: “Se queres comer um pássaro, certifica-te de que não é uma pega…”

Moral da história 2: “Sempre que saltares para cima de – e comeres – alguém, usa protecção…”

Moral da história 3: “Antes de comeres um pássaro, desconfia se ele estiver a piar pelo nariz…”

04 março 2006

CSI

Foi publicado nos últimos dias o decreto que regulamenta a atribuição do Complemento Solidário para Idosos (CSI). Este Complemento é atribuível a pessoas com mais de 80 anos, tentando criar condições para que os idosos possam viver melhor, com um rendimento mínimo mensal de 300 euros, que assegure uma vida com dignidade.

Parece-me muito importante que se tenha criado este mecanismo para prover aos idosos mais necessitados. É certo que ainda não percebi inteiramente como funcionará, por manifesta falta de informação (por culpa própria, entenda-se). Ainda fui ao portal do Governo na Internet para me informar melhor, mas desmoralizei face à informação de que teria de descarregar um ficheiro com 29 páginas (389 Kb).

Deste modo, por preguiça assumida, não me poderei pronunciar sobre os pormenores do CSI, mas folguei ao ouvir o Primeiro-Ministro afirmar: «Esta prestação social será rigorosa. As críticas não têm expressão. É uma ficção a ideia da burocracia exagerada».

Claro que não faltou logo a maledicência: na mesma notícia, é dito que Marques Mendes declarou que «Quando os idosos, para acederem a um complemento que é justo, têm que preencher oito impressos e 13 declarações, é o máximo da burocracia». Já no site da UGT pode ler-se: «(..) promova uma acção especial visando informação personalizada aos idosos e a ajuda no preenchimento dos impressos necessários, tanto mais que a regulamentação é excessiva e desnecessariamente muito complexa». E na página da CGTP: «A CGTP-IN chama a atenção que estamos certamente perante o direito à prestação mais complexa e burocrática, até hoje realizada por um Governo, nos 30 anos de democracia».

Más-línguas! Pura inveja! Detractores sem escrúpulos! Não pode o Governo apresentar uma medida que é logo de todos os lados vilipendiado. Uma vergonha! É sabido que o facto de uma pessoa de 80 anos ter de preencher oito impressos e treze declarações para aceder ao CSI é a forma, tão engenhosa quanto filantrópica, que o Governo engendrou para manter os nossos velhinhos saudáveis. É já consensual que os idosos devem manter uma constante actividade cerebral para afastarem os espectros da senilidade precoce, da aterosclerose ou da doença de Alzheimer. Há quem recomende a prática de jogos mentais, de palavras cruzadas ou até do novel Sudoku. O nosso Governo, sempre na vanguarda, resolveu dar um passo em frente e arranjou outra ocupação, quiçá ainda mais estimulante do ponto de vista intelectual: o preenchimento de oito impressos e treze declarações.

Se pelo meio, for ainda necessário meter uma acção aos próprios filhos, tanto melhor para os nossos idosos! Que melhor forma de ocupar os seus longos dias do que proceder finalmente àquela pequena vingança pela quantidade de fraldas que tiveram de mudar à sua prole? Adeus, Alzheimer. Adeus, aterosclerose.

Por tudo isto, creio que esta é uma das acções mais meritórias protagonizadas até à data pelo Governo de José Sócrates: um plano com preocupações sanitárias e que equilibra a justiça social com a... Justiça, ela própria. Aliás, julgo que, para este programa, nome mais apropriado do que CSI não há...