07 fevereiro 2007

Cenas de hospital (conclusão)

Desde que estava na sala de espera que ele, de ouvido atento não fossem chamá-lo, apenas ouvia duas coisas: o barulho duma música (que percebeu, quando foi atendido, ser proveniente dum leitor de cd’s que dois enfermeiros escutavam, enquanto um outro jogava “paciências” num computador) e o barulho de vozes, manifestamente numa amena cavaqueira. Julgou tratar-se de mais dois acompanhantes que, assim, trocavam experiências, até ao momento em que viu sair da sala de ortopedia dois senhores de bata branca: afinal, eram apenas os médicos que conversavam.

Um deles saiu dali (não deveria ser ortopedista) e o outro foi falar com alguns dos doentes do corredor (os das macas!!). Quando este médico voltou a entrar na sala de ortopedia, ele ouviu de imediato o seu nome ser chamado. Não podia ser! Já? Entrou esperançado na sala, mas o médico, sem olhar para ele, apenas lhe disse: Vá aqui com este senhor ao Raio-X lá acima porque o das Emergências está avariado. Desta vez, qual teria sido a operadora telefónica culpada?...

Lá foi ele com o auxiliar que, por seu lado, empurrava uma doente que (claro!) ia numa maca. Mandaram-no esperar numa antecâmara por que fosse chamado. Nunca ele se sentira tão importante: numa só noite, já tinha sido mais chamado do que em toda a sua vida! Enquanto esperava, actividade assaz desgastante, foi escutando o que dois acompanhantes diziam: Parece que ela tem o dinheiro todo na lata de bolachas. Foi a Sãozinha que disse. Uma vez pediu-lhe dinheiro emprestado e viu-a tirar um maço de notas da despensa. Cheiravam a bolacha maria. A sério? Não pode ser! Sempre pensei que guardasse num impermeável dentro do autoclismo! Sempre que lá vou a casa, passo horas no quarto de banho a tentar desmontar o raio do autoclismo... E não terá também algum debaixo do colchão? Não sei, amanhã vemos. Ou hoje à noite, quem sabe. Mas aquele médico antipático disse que se calhar se safava. Será que ainda não vai ser desta? Não sei, tenho andado tão preocupado, não faço ideia em que mais esconderijos possa ter escondido o dinheiro! Pois é, sempre tão desconfiada, parece que não confia em nós! Afinal, somos a sua família, caramba! Preocupamo-nos com ela!...

Entretanto, foi chamado e não pôde continuar a ouvir tão interessante diálogo. Fez a radiografia e disseram-lhe para voltar ao ponto de partida, sem receber dois mil escudos. Assim fez. Novamente na sala de espera. Novamente doentes em maca na pole position, ou seja, no corredor. Desta vez, porém, estava um outro doente na sala de espera. Ao telemóvel: Estou? É do 112? Sim, boa noite. Era para comunicar uma emergência. Caí nas escadas de minha casa e receio ter partido uma perna. Sim, uma perna, dói-me muito. Estou sozinho, sim. Onde estou? No hospital! Sim, no hospital. Espere, espere, não desligue, isto é mesmo uma emergência, estou aqui há cinco horas, estou cheio de dores e ninguém me atende! Mandem-me uma equipa do INEM, por favor. Estou? Estou?

Foi chamado, novamente. Sentia-se um dos eleitos. Muitas vezes passamos por esta vida sem sermos nunca chamados e ele, numa só noite, parecia uma central telefónica. Repare, disse-lhe o médico, apontando para a radiografia, não tem nada partido. Está óptimo. Tome qualquer coisa para as dores e amanhã já nem se lembra disto.

Engoliu o orgulho e saiu, cabisbaixo. À saída, nova conversa entre dois acompanhantes: Vim aqui acompanhar um amigo que se magoou no trabalho. Mas vou já tirar uma senha, que a minha mulher não se vai acreditar nisso quando eu chegar a casa. E como o tempo de espera é de 5 horas, vai dar mesmo à justa. Espero que, desta vez, ela não utilize a vassoura: é que dói mesmo muito!...

1 Comentários:

At quarta fev. 07, 09:29:00 da manhã 2007, Blogger EG said...

É óptimo poder iniciar um dia de trabalho, que se prevê bem longo, com o teu humor escarninho...
Adorei... o maço de notas que cheirava a bolacha maria, o voltar ao ponto de partida sem receber dois contos (pior, só ir para a cadeia!), o doente que chama o 112 estando dentro do hospital!!!... Fantástico, diverti-me imenso!! "Bigada" pela tua boa disposição. Continua.

 

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