23 maio 2006

Casamentos (conclusão)

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Pelo que o remédio é aguentar e esperar por que, o mais rápido possível, a noiva nos venha arrancar para o clássico passo de dança. O mais rápido possível para, assim, nos vermos rapidamente libertos dessa obrigação. É curioso verificar que o instinto masoquista dos noivos não tem limites: a primeira música a ouvir-se é sempre uma valsa e são os pobres coitados dos recém-casados que têm de, perante os olhares de toda a gente, demonstrarem a sua inata inaptidão para a dança. O noivo, é sabido, é completamente incompetente para qualquer tipo de dança e passa o tempo todo da execução da valsa a dizer baixinho «1-2-1, 1-2-1» enquanto tenta não calcar mais do que meia dúzia de vezes o vestido da noiva; esta, por seu lado, até se sairia airosamente se a dança fosse salsa ou, até, um samba, mas, sendo uma valsa, tenta apenas fugir com os seus delicados pezinhos às patorras do seu esposo. Debalde.

Quando os instintos sádicos da audiência se dão por contentes, a pista de dança começa a ser invadida por outros intérpretes, escondendo os noivos. É normalmente por esta altura que eles, vingativos, começam a percorrer as mesas e a levar, obrigados, os convidados para um pezinho de dança. Portanto, não convém oferecer resistência e resolver o assunto o mais airosamente possível.

Pela minha parte, por esta altura até já começo a sentir pena dos noivos e o inusitado número de vezes que tropeço no vestido da noiva e calco os seus pés, enquanto danço com ela, é apenas originado pela minha inépcia para a dança e não por qualquer resquício de sentimento de vingança que ainda pudesse vigorar. Juro.

E pronto. O casamento vai caminhando decadentemente para o seu fim. É a altura dos primos oprimidos aparecerem em palco, etilicamente animados, demonstrando a sua já suspeitada inaptidão para a dança, mas, por outro lado, comprovando a sua proverbial queda (em mais do que um sentido…) para provocarem constrangimento em todas as pessoas de bem, com destaque para os pobres coitados dos seus esponsais familiares. Alguém atalha à desgraça geral sugerindo que se corte o bolo da noiva. Os noivos, com um sorriso amarelo e com mais vontade, verdade seja dita, de cortarem as tripas aos primos que tão publicamente os embaraçaram, cumprem a sua função, sorrindo para as fotografias da praxe e fazendo o brinde final.

Estando, nesta fase, eles próprios já algo alcoolizados, os noivos entrelaçam as taças e bebem o champagne, enquanto pensam: Mas que família horrorosa que tu tens! Não admira que tivesses gostado tanto da minha família. Ainda bem que Natais, Passagens de Ano e Páscoas vão ser sempre em casa dos meus pais. E aos domingos, idem. Porque será que estás a olhar para mim com esse sorrisinho palerma? Se soubesses a quantidade de vezes que durante todo o dia me arrependi disto… Essa coisa horrorosa na tua testa é uma espinha? Espero que não vás agora arrotar à frente desta gente toda... Ah, quando eu encontrar uma cama para me deitar…Solta-me o braço, anda lá! E vê lá se não vais partir a merda da taça de champagne agora! Olha, continua com o sorrisinho idiota!...

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