03 abril 2006

Casamentos

Eu não gosto de casamentos. De ser convidado para casamentos, quero dizer. Infelizmente, tenho grande dificuldade em arranjar desculpas convincentes para me esquivar a tantas horas de tortura.

Um casamento dura um dia todo. Já foi tempo em que durava uma vida toda. Felizmente, nos dias que correm, a sua longevidade limita-se a um dia. Mas é demasiado, ainda assim. Um dia todo confinado num fato apertado com um leve, porém permanente, aroma a naftalina, garroteado por uma gravata démodé e com os pés barbaramente enclausurados num espaço exíguo, também conhecido por sapatos de cerimónia, não é propriamente a minha ideia de um dia bem passado. Admito que um faquir ou, porventura, um daqueles filipinos que, durante a Páscoa, se deixam pregar numa cruz, considerem que ir a um casamento é um autêntico piquenique; a mim, contudo, só me ocorrem duas palavras: uma tortura!

Normalmente, está calor. Os noivos comprazem-se em casar no Verão, não consigo perceber porquê. Nunca ouviram dizer: «boda molhada, boda abençoada»? Este desprezo pela sabedoria e cultura populares enfurece-me. Isso, e o calor. E o baraço ao pescoço conhecido por gravata. Já para não falar dos sapatos de cerimónia, versão pezinhos chineses. Enfim, o dia do casamento é um suplício para mim. Mas não só, também os dias que o precedem são de extrema angústia.

Tudo começa com o convite. Os noivos chegam à minha beira e, julgando que me fazem muito feliz, convidam-me para os seus esponsais. Eu tremo de terror. Pensa, pensa, deve haver alguma desculpa que possas dar. Claro que nunca me ocorre nada. Agradeço o convite, supostamente comovido, e dou-lhes os meus mais sinceros parabéns. Rezo para que eles não notem que as lágrimas não são de comoção, mas antes de tristeza assassina…

Tenho de comprar uma prenda, claro. E o que oferecer? Actualmente, a maior parte das pessoas opta por fazer listas de casamento, o que facilita um tanto a tarefa. Infelizmente, contudo, continua a ter que se pagar… Depois, há que verificar o guarda-roupa: Ora deixa cá ver, esta camisa ainda deve dar para este casamento, ainda só a usei em um baptizado, dois funerais e uma comunhão. Claro que nos esquecemos que, entretanto e pela lei da vida, já engordámos uns quilitos desde a última vez que a usámos. Resultado: quando chega o dia D (de desespero), verificamos que já não conseguimos abotoar o botão do colarinho sem desmaiar. Como manobra de recurso, temos de o deixar desabotoado e, em contrapartida, apertar bem o nó da gravata para que não se note…muito. Os sapatos, já se sabe, resultam em tortura semelhante. Não que os nossos pés tenham crescido desde a última vez que os calçámos, mas sim porque já nos esquecemos da flagelação que atingiu os nossos delicados pezinhos aquando da pretérita utilização. Basta pormos um pé, qual Cinderela, no delicado sapatinho, e imediatamente toda a nossa vida se parece ter metamorfoseado numa grande abóbora puxada por ratos. Ou em algo ainda pior…

Assim espartilhados, dirigimo-nos para a igreja. Menos mal, as igrejas não costumam ser muito quentes e sempre têm bancos. Tento sentar-me cá para trás de forma a poder, muito discretamente, tirar os sapatitos algures durante a cerimónia. Escandalizo-me com o indecoroso número de vezes em que é necessário as pessoas levantarem-se durante a missa, por razões que me passam sempre ao lado. Ainda para mais, com esta mania de o dia de casamento ter de ser o dia mais feliz das nossas vidas, os noivos fazem questão de que a própria cerimónia religiosa se prolongue por horas, em que se vai enchendo chouriços com mais um cântico, que me lembra vagamente uma melodia dos ABBA, ou com mais uma leitura de uma passagem bíblica cujo significado – críptico para mim – o padre, de seguida, se propõe analisar esmiuçadamente.

A cerimónia acaba finalmente e eu tento disfarçar a fúria genuína com que atiro arroz à cabeça dos noivos. Mas ainda a procissão vai no adro… faltam ainda as longas horas de festa.

[continua]

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