20 fevereiro 2006

A minha música

Gosto muito de música. Não percebo nada de música, claro. No sentido de que não sei ler uma pauta ou tocar um instrumento musical. Mesmo nos ferrinhos, a meio, começo a perder o ritmo. Aliás, irritam-me os movimentos repetitivos. Começo a ficar nervoso. Começo a sentir que só me apetece atirar os ferrinhos ao ar. Esforço-me, tento conter-me, manter o ritmo. Mas acabo invariavelmente por ceder à tentação... É uma pena, dado que os ferrinhos seriam a minha única possibilidade de ter uma actividade criativa no domínio da música. E, claro, não ajudou nada os ditos ferrinhos terem ido aterrar em cima da cabeça do chefe da banda que me estava a fazer a audição...

O meu gosto musical é bastante ecléctico. Gosto de música clássica, gosto de jazz, gosto de pop/rock (englobando aqui nesta designação quase todo o tipo de música). Mas sou bastante estrito dentro do meu eclectismo: gosto só de alguma música clássica, só de algum jazz, só de algum pop/rock. É fácil perceber de qual música clássica gosto: da boa. Do jazz e do pop/rock também não será difícil adivinhar: gosto do bom. E abomino a má música. Ou seja, toda. Excepto aquela de que eu gosto. Que é a boa.

Tenho pena de não perceber mais de música. Principalmente quando estou a ouvir música clássica ou jazz. A maior parte das vezes dou por mim emocionado escutando um belo trecho musical enquanto penso: Ah, mas que belo som tem a tuba... ou será um clarinete? Hum... talvez seja antes um oboé. E com isto perco-me no meio da música. Tenho de a recuperar mais à frente, tendo já perdido alguns minutos do discurso musical enquanto tentava perceber que instrumento estava a ouvir. Perco assim o fio à meada. Apesar de tudo, retomo-o mais adiante. Subitamente, dou por mim enlevado por uma melodia divinal. Meu Deus, que bem que este senhor toca violoncelo... quer dizer, viola. Ou será antes violino? Ah, não, afinal parece que é a tuba outra vez. E assim vou-me dispersando, perdendo a concentração.

Também me acontece a mesma coisa em relação à obra que estou a ouvir. Eu sei que a maioria das pessoas não é muito letrada no que à música clássica diz respeito. Mas todos conhecem As Quatro Estações de Vivaldi ou Requiem de Mozart ou a 9ª Sinfonia de Beethoven. E mais uma ou duas obras de compositores mais ou menos célebres. É também este o meu caso. Mas, como já disse, sou um apreciador de música clássica, por isso ouço bastantes mais obras. E repetidas vezes. Portanto, é altamente descoroçoante para mim estar a sintonizar o rádio do carro, por exemplo, ouvir uma melodia lindíssima que eu sei que tenho em CD e que já ouvi centenas de vezes, e não conseguir identificá-la: Ora bem, isto é um andamento da Sinfonia Fantástica de Berlioz. Não, não é nada, é o Claire de Lune de Debussy. Oh, que idiota, é mas é o Aranjuez de Rodrigo. Espera, já sei, é o Also Sprach Zaratustra de Richard Strauss! E fico momentaneamente orgulhoso. É normalmente por esta altura que ouço a voz do locutor da rádio dizer: Acabamos de ouvir «Titles» de Vangelis da banda sonora do filme Momentos de Glória. E é nessas alturas que eu tenho mais um momento de derrota...

Mas a humilhação pode ser ainda maior. Dentro do meu grupo de amigos, eu sou aquele que mais ouve música clássica. E também aquele que admite abertamente que aprecia bastante este género de música. O que quer dizer que aquilo que eu descrevi atrás poderá acontecer no seio dos amigos (salvo seja!). Imaginem: nós estamos reunidos e, de repente, na rádio passa um trecho de música clássica. É certo e sabido que em dois segundos há logo um sádico que se vira para mim e diz: Então, que música é esta? Eu, momentaneamente frustrado por não estar a tocar ferrinhos, tento não lhe lançar um olhar assassino e digo uma coisa do género: Isto? Então tu não sabes o que é isto? Isto é uma das músicas mais belas, mais perfeitas que já se fizeram. Qualquer criança reconhece isto! Normalmente não resulta: Ah, sim? E então o que é? Contendo-me para não lhe arremessar o copo que tenho na mão, titubeio algo do género: Ora, isto é um trecho do concerto para piano de Rimsky-Korsakov. Esmagados pelo nome, eles contentam-se por momentos e entretêm-se abordando outros assuntos. Rezando para que a música se prolongue por mais uns minutos, deixo a conversa ir parar a outros temas e quando estão todos distraídos, com uma cotovelada «acidental» derrubo o rádio, estilhaçando-o, antes de eles poderem ouvir o locutor expor a minha ignorância. Devo dizer que após o quarto rádio destruído, eles agora já não me deixam chegar perto de qualquer aparelhagem, telefonia ou televisão. E eu agradeço porque, para além do mais, no banco já não me dão mais crédito para electrodomésticos.

É uma pena, efectivamente, eu não perceber mais de música. Gosto tanto de a ouvir e, no entanto, não consigo reter nenhum ensinamento nem nenhuma informação que ultrapasse um nível básico. É frustrante! No jazz, por ser uma paixão mais recente e por dominar ainda menos, as desilusões são recorrentes. Quando me parece que já sei alguma coisita, eis que logo a seguir chumbo numa determinada prova. A não ser que seja identificar o Louis Armstrong a cantar (porque se for a tocar trompete já será uma prova dificílima para mim), de resto não consigo identificar mais nada nem ninguém.

Que fazer? Não sei, por ora vou continuando a ouvir boa música, esperando pela identificação das obras, dos intérpretes e dos autores pelo locutor de serviço, e tento só estar com os sádicos dos meus amigos se estiver também a tocar ferrinhos. Sei que é aborrecido para eles, mas sempre me fica mais barato do que andar a destruir rádios, aparelhagens e afins...

1 Comentários:

At terça mai. 20, 01:10:00 da manhã 2008, Blogger jennifer lourenço said...

isso é pessimo cara!!
saiba fazer algo de inteligente!!!!
jennyffer¹²³

 

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