13 fevereiro 2006

Angústia de domingo à noite

Não consigo evitá-lo: domingo à noite tenho sempre um nó, um aperto no estômago. Não sei que género de ansiedade se apodera de mim aos domingos... o dia a decorrer e a minha angústia a aumentar, a aumentar, até que à hora de me ir deitar sinto-me como nos tempos em que tinha exames na faculdade, em que faltavam cerca de 10 horas para o teste e eu ainda só tinha estudado 25% da matéria.

Será que vem daí esta minha angústia? Será que se eu tivesse estudado, por sistema, atempada e assisadamente durante a minha vida académica, não teria agora este sentimento de ansiedade? Será que foi uma sequela que me ficou dos tempos em que só me aplicava sob a inquietação de última hora? Será que aqueles meus colegas que, a uma semana do exame, já tinham tudo estudado e empinado, não têm agora domingos desassossegados, com um sentimento de depressão galopante conforme se vai aproximando a noite?

Talvez não seja por isso... afinal, eu já não tenho exames. E quando os tinha, tinha-os a qualquer dia da semana, não era um exclusivo das segundas-feiras. Portanto, esta angústia, se fosse essa a causa, poderia aparecer a qualquer dia, não necessariamente aos domingos à noite.

Mas estou a raciocinar mal. Parece-me que só tenho a lucrar se enveredar pela anterior linha de raciocínio: a culpa é dos exames da faculdade!

Reparem: eu já nem estou a afirmar que a culpa é do facto de eu deixar tudo para a última e só estudar verdadeiramente nas vésperas do exame (entendendo-se aqui vésperas como as horas anteriores ao exame); não, não é isso que está em questão, o que está em questão é o altamente pressionante sistema de exames que me impuseram na vida universitária. Uma vergonha! E que me empurrou, inexoravelmente, para o estudo de última hora! Inevitavelmente!

Eu tinha montes de exames! Cada exame tinha montes de matéria para estudar! Os exames estavam separados por dois, três dias entre eles! Um ultraje! O que é que eles queriam que eu fizesse? Que fosse estudando ao longo do ano para ir acompanhando as aulas e não deixar a matéria acumular? Quer dizer, já agora também queriam que eu estivesse atento nas aulas, não? E se eu fosse estudando ao longo do ano, como é que teria tempo para sair à noite? Para namorar? Para jogar à bola? Para não fazer nada? Como, não me sabem dizer?

Obviamente, eles sabiam qual iria ser a minha escolha. A escolha das pessoas sensatas: passar o ano a sair à noite, a namorar, a jogar à bola e a não fazer nada, e deixar a matéria acumular até às vésperas (ver definição supra) dos exames. Obviamente. E depois passar uns dias angustiados, a tentar empinar numas escassas horas matéria que daria para aí para um semestre (e não é que dava mesmo?), sem contar com os casos em que era matéria suficiente para um ano! Um insulto! E a minha estabilidade psicológica? E a minha saúde? E a minha auto-estima? Sim, porque depois, não contentes com isso, e apesar do meu tão hercúleo quanto ciclópico esforço, amiudadamente distinguiam-me com notas ridículas! Eles, pelo menos, riam-se delas...

É para mim claro que isto me causou um trauma profundo. Quando entrei na universidade julguei que se me abria um mundo de oportunidades, de desafios, de possibilidades de auto-desenvolvimento; e foi verdade. Até à minha primeira época de exames. O quê? Mas eles agora querem avaliar o que eu andei a fazer durante o semestre? E nem sequer uma perguntinha sobre discotecas, jogos da bola e miúdas? Estão a brincar comigo!

Não estavam. Levavam aquilo muito a peito. Queriam realmente que eu decorasse livros, sebentas e apontamentos de matérias de que eu só conhecia o título, por o ver no meu horário. E então eu esforçava-me. Que remédio. Começava a estudar sofregamente, em contra-relógio, sentindo uma úlcera a desenvolver-se no meu estômago. Muitas vezes, só para que eles, sádicos, me obrigassem a repetir todo o esforço passados uns dias. Claro, havia os mais bonzinhos que me obrigavam a repetir todo o esforço passado um ano. Cruéis! E o ritmo que eu levava de namoricos, de saídas à noite, de jogos de futebol, não me permitia a maior disponibilidade mental para tais exigências de concentração, evidentemente.

Estava eu a estudar a elasticidade da demanda (sim, os livros eram em brasileiro) ou o custo médio ou as sinergias ou a produção marginal (exponencial nos últimos anos, basta ver as estatísticas do crime!) e a pensar, ao mesmo tempo, que a Ana já não me telefonava há dois dias, que o MauMau tinha estado perfeito na noite passada ou que deveria ter fintado para dentro em vez de rematar de primeira no jogo de terça-feira. Ou que afinal a telenovela venezuelana que passam à tarde, nas vésperas dos exames, até tem o seu interesse. Ora deixa só ver um bocadinho...

Claramente a minha vida nunca mais foi a mesma. Transformei-me noutra pessoa, mais amarga, cinzenta e rezingona. E o meu esforço de memorização foi tal que agora sinto as sequelas: já nem me lembro bem de como se chamava a minha primeira namorada, por exemplo, ou de quem fez o passe para o Frasco endossar a bola para o Juary cruzar para o Madjer finalizar de calcanhar na final da Taça dos Campeões em 1987 (a minha vingança é que também já não me lembro de nada do que estudei; tudo no Universo caminha para o equilíbrio)!

Ou seja, bati no fundo! Sou um trapo, um dejecto, um frangalho! Um frangalho com angústia de domingo à noite. Foi para isto que eu andei a queimar as pestanas durante aqueles anos todos! Para ser alguém cujo fim-de-semana estará eternamente estragado! Vou pedir uma indemnização por trauma e danos psicológicos sofridos. Será que tenho hipóteses?

Bolas, deveria ter estudado Direito!

3 Comentários:

At quinta fev. 23, 11:26:00 da manhã 2006, Anonymous Anónimo said...

ehehehe,gostei!!! Percebi finalmente porque és assim ;)!
Caso precises de ajuda psicógica, contacta-me (excepto aos domingos à noite)! Lembra-te que qualquer angústia é um grande alicerce de um caos criativo....

 
At sexta jan. 12, 08:04:00 da tarde 2007, Blogger The Perfect Drug said...

Tambem sinto isso aos Domingos, sempre senti. Uma sensação de desconforto absurdo, uma depressão estranha. Desde que me lembro de mim. E conheço mais gente como nós. Duvido que os exames tenham algo a ver com isso.

 
At sábado abr. 24, 11:27:00 da tarde 2010, Blogger Iara De Dupont said...

Legal o teu texto. Se puder me visite, http://sindromemm.blogspot.com

 

Enviar um comentário

<< Home