26 janeiro 2007

Cenas de hospital (I)

Ele entrou no hospital, deram-lhe uma pulseirinha amarela. Tempo de espera previsto: cinco horas. Foi atirado para um corredor onde outros doentes se amontoavam e logo estes o animaram: aquele senhor ali está à espera que o chamem desde as cinco da tarde (eram onze da noite). Durante o tempo em que ali esteve ninguém o chamou, ele também não. Ainda não estava completamente à vontade...

Duas senhoras, bem perto dele, distraíam-se em amena cavaqueira: ambas eram acompanhantes de doentes. Enquanto uma acompanhava o marido que, sentado numa cadeira de rodas, não dizia palavra, outra acompanhava uma senhora idosa deitada numa maca (presumivelmente sua mãe) e tentava convencê-la a mudar a fralda ali, à frente de toda gente. Eu peço a todos os senhores para saírem. E logo acrescentou, indicando o marido da sua companheira de conversa: Excepto este senhor, este senhor não precisa de sair.

Ele ficou intrigado: o tratamento de excepção seria devido ao facto do senhor ser também doente? Mas isso não tinha lógica porque todos ali (à excepção das duas senhoras) eram doentes. Então seria porque o senhor era marido da sua companheira de ocasião? Assim parecia ser. Para seu secreto regozijo, a senhora idosa, contudo, preferiu continuar a marinar.

Passados uns quinze minutos levaram-no, para inveja dos que ficavam, para “dentro”. Parecia uma evolução, mas afinal mandaram-no esperar que o chamassem numa sala de... espera. A sala estava vazia. Uns três ou quatro doentes, em macas, esperavam no corredor. Pareceu-lhe injusto: estando no corredor mais facilmente seriam lembrados e mais rapidamente atendidos por qualquer médico que passasse. Enquanto ele, desterrado, longe da vista, numa sala deserta, não seria mais para os médicos de que uma ficha de admissão (a propósito, ele achava indecoroso o facto de, na triagem, apenas lhe terem perguntado o que tinha provocado aquele infeliz incidente; não lhe perguntaram o quanto lhe doía, quanto sangue havia perdido e como estava psicologicamente afectado; deste modo, era evidente que qualquer doente numa maca lhe passaria à frente!).

Ficou mais sossegado quando percebeu, passada uma meia-hora, que afinal não havia qualquer médico que passasse no corredor; assim, os doentes nas macas não teriam qualquer privilégio. Na verdade, o único movimento visível da sua sala de espera era o de alguns auxiliares que passavam, atarefados, com umas arrastadeiras de um lado para o outro. Felizmente, ele não conhecia nenhum e não teve de os cumprimentar...