27 fevereiro 2006

Problema técnico

No outro dia vi (?) na RTP2 o filme «A Costa dos Murmúrios» de Margarida Cardoso, baseado no livro de Lídia Jorge. Já tinha lido o livro, que apreciei moderadamente, e fiquei com curiosidade de saber até que ponto a adaptação para cinema tinha sido fiel. Pelo que me foi dado ver (e gostaria realmente de sublinhar isto: pelo que me foi dado ver), a adaptação foi bastante fiel, mas a minha televisão, com certeza, foi acometida de um qualquer problema técnico: eu bem tentei, pus a luminosidade no máximo, porém, nunca consegui ver mais do que algumas sombras que se movimentavam no ecrã. Contudo, para o fim que eu tinha em vista (e vou sublinhar: tinha em vista), o problema técnico da minha televisão acabou por não me ser demasiadamente prejudicial: pude assim concentrar-me nos diálogos e na narração, e perceber que, de facto, esta era uma adaptação para cinema muito fiel ao livro.

Dizem-me que a Beatriz Batarda é a actriz principal deste filme – e quem sou eu para duvidar? -, e, a confirmar-se, parece-me que ela tem uma excelente dicção e uma voz que consegue transmitir emoção. Por causa do problema da minha televisão, não pude ver (e não será de mais realçá-lo: não pude ver) mais do que a sua silhueta, que, ainda assim, me pareceu de grande expressividade dramática. O mesmo poderei dizer dos restantes actores, decerto com escola de teatro radiofónico.

Curiosamente, mal acabou o filme a minha televisão recuperou do seu problema técnico de forma milagrosa e os níveis de luminosidade voltaram ao normal.

22 fevereiro 2006

Basquetebol, 110 - Lúcia, 0

Na tarde do passado Domingo, durante algumas horas três canais nacionais (RTP1, SIC e TVI) transmitiram em directo a transladação do corpo da vidente Lúcia para a Basílica de Fátima. Como estava num sítio em que só podia sintonizar esses três canais mais a RTP2, fiquei a saber que quer o Queluz quer a Oliveirense têm uma excelente equipa de basquetebol.

20 fevereiro 2006

A minha música

Gosto muito de música. Não percebo nada de música, claro. No sentido de que não sei ler uma pauta ou tocar um instrumento musical. Mesmo nos ferrinhos, a meio, começo a perder o ritmo. Aliás, irritam-me os movimentos repetitivos. Começo a ficar nervoso. Começo a sentir que só me apetece atirar os ferrinhos ao ar. Esforço-me, tento conter-me, manter o ritmo. Mas acabo invariavelmente por ceder à tentação... É uma pena, dado que os ferrinhos seriam a minha única possibilidade de ter uma actividade criativa no domínio da música. E, claro, não ajudou nada os ditos ferrinhos terem ido aterrar em cima da cabeça do chefe da banda que me estava a fazer a audição...

O meu gosto musical é bastante ecléctico. Gosto de música clássica, gosto de jazz, gosto de pop/rock (englobando aqui nesta designação quase todo o tipo de música). Mas sou bastante estrito dentro do meu eclectismo: gosto só de alguma música clássica, só de algum jazz, só de algum pop/rock. É fácil perceber de qual música clássica gosto: da boa. Do jazz e do pop/rock também não será difícil adivinhar: gosto do bom. E abomino a má música. Ou seja, toda. Excepto aquela de que eu gosto. Que é a boa.

Tenho pena de não perceber mais de música. Principalmente quando estou a ouvir música clássica ou jazz. A maior parte das vezes dou por mim emocionado escutando um belo trecho musical enquanto penso: Ah, mas que belo som tem a tuba... ou será um clarinete? Hum... talvez seja antes um oboé. E com isto perco-me no meio da música. Tenho de a recuperar mais à frente, tendo já perdido alguns minutos do discurso musical enquanto tentava perceber que instrumento estava a ouvir. Perco assim o fio à meada. Apesar de tudo, retomo-o mais adiante. Subitamente, dou por mim enlevado por uma melodia divinal. Meu Deus, que bem que este senhor toca violoncelo... quer dizer, viola. Ou será antes violino? Ah, não, afinal parece que é a tuba outra vez. E assim vou-me dispersando, perdendo a concentração.

Também me acontece a mesma coisa em relação à obra que estou a ouvir. Eu sei que a maioria das pessoas não é muito letrada no que à música clássica diz respeito. Mas todos conhecem As Quatro Estações de Vivaldi ou Requiem de Mozart ou a 9ª Sinfonia de Beethoven. E mais uma ou duas obras de compositores mais ou menos célebres. É também este o meu caso. Mas, como já disse, sou um apreciador de música clássica, por isso ouço bastantes mais obras. E repetidas vezes. Portanto, é altamente descoroçoante para mim estar a sintonizar o rádio do carro, por exemplo, ouvir uma melodia lindíssima que eu sei que tenho em CD e que já ouvi centenas de vezes, e não conseguir identificá-la: Ora bem, isto é um andamento da Sinfonia Fantástica de Berlioz. Não, não é nada, é o Claire de Lune de Debussy. Oh, que idiota, é mas é o Aranjuez de Rodrigo. Espera, já sei, é o Also Sprach Zaratustra de Richard Strauss! E fico momentaneamente orgulhoso. É normalmente por esta altura que ouço a voz do locutor da rádio dizer: Acabamos de ouvir «Titles» de Vangelis da banda sonora do filme Momentos de Glória. E é nessas alturas que eu tenho mais um momento de derrota...

Mas a humilhação pode ser ainda maior. Dentro do meu grupo de amigos, eu sou aquele que mais ouve música clássica. E também aquele que admite abertamente que aprecia bastante este género de música. O que quer dizer que aquilo que eu descrevi atrás poderá acontecer no seio dos amigos (salvo seja!). Imaginem: nós estamos reunidos e, de repente, na rádio passa um trecho de música clássica. É certo e sabido que em dois segundos há logo um sádico que se vira para mim e diz: Então, que música é esta? Eu, momentaneamente frustrado por não estar a tocar ferrinhos, tento não lhe lançar um olhar assassino e digo uma coisa do género: Isto? Então tu não sabes o que é isto? Isto é uma das músicas mais belas, mais perfeitas que já se fizeram. Qualquer criança reconhece isto! Normalmente não resulta: Ah, sim? E então o que é? Contendo-me para não lhe arremessar o copo que tenho na mão, titubeio algo do género: Ora, isto é um trecho do concerto para piano de Rimsky-Korsakov. Esmagados pelo nome, eles contentam-se por momentos e entretêm-se abordando outros assuntos. Rezando para que a música se prolongue por mais uns minutos, deixo a conversa ir parar a outros temas e quando estão todos distraídos, com uma cotovelada «acidental» derrubo o rádio, estilhaçando-o, antes de eles poderem ouvir o locutor expor a minha ignorância. Devo dizer que após o quarto rádio destruído, eles agora já não me deixam chegar perto de qualquer aparelhagem, telefonia ou televisão. E eu agradeço porque, para além do mais, no banco já não me dão mais crédito para electrodomésticos.

É uma pena, efectivamente, eu não perceber mais de música. Gosto tanto de a ouvir e, no entanto, não consigo reter nenhum ensinamento nem nenhuma informação que ultrapasse um nível básico. É frustrante! No jazz, por ser uma paixão mais recente e por dominar ainda menos, as desilusões são recorrentes. Quando me parece que já sei alguma coisita, eis que logo a seguir chumbo numa determinada prova. A não ser que seja identificar o Louis Armstrong a cantar (porque se for a tocar trompete já será uma prova dificílima para mim), de resto não consigo identificar mais nada nem ninguém.

Que fazer? Não sei, por ora vou continuando a ouvir boa música, esperando pela identificação das obras, dos intérpretes e dos autores pelo locutor de serviço, e tento só estar com os sádicos dos meus amigos se estiver também a tocar ferrinhos. Sei que é aborrecido para eles, mas sempre me fica mais barato do que andar a destruir rádios, aparelhagens e afins...

15 fevereiro 2006

Se conduzir não seja porco

Segundo um estudo levado a cabo pela Universidade de Michigan (ver notícia) falar ao telemóvel enquanto se conduz distrai tanto quanto falar com o passageiro do lado ou fazer outra actividade que possa causar distracções.

Pela minha parte, não tenho qualquer dúvida de que falar ao telemóvel ao volante causa tanta distracção como qualquer outra actividade que possa causar distracções; até digo mais: falar ao telemóvel é uma das actividades que pode causar distracções. Falar com o passageiro do lado também poderá causar distracções; até aqui, tudo consensual. Mas quais serão as outras actividades, normalmente feitas ao volante, que são causadoras de distracções?

De acordo com o estudo, para além de falarem ao telemóvel e de falarem com o passageiro do lado (presume-se que sem o recurso à chamada telefónica), há ainda condutores que comem, que bebem, que comem e bebem, e há ainda 6,5% dos condutores analisados que tratam da sua higiene pessoal.

Enquanto conduzem, tratam da sua higiene pessoal. Enquanto conduzem… Extraordinário!

Tenho medo de perguntar que tipo de higiene pessoal levam a cabo estes condutores ao volante…

Forte probabilidade de cumprir o défice

«Forte probabilidade de cumprir o défice», diz o Ministro das Finanças Teixeira dos Santos.

Ó homem, veja lá, se não conseguir cumprir o défice e conseguir antes, sei lá, um superavit, ninguém se zanga consigo…

14 fevereiro 2006

Avaliação das faculdades mentais

João Carlos Gouveia é deputado do PS no Parlamento Regional da Madeira. Na sequência de uma sua intervenção no plenário, em que denunciou que a região está transformada num verdadeiro paraíso criminal e que existe uma minoria que mantém um controlo total sobre as instituições autonómicas e detém o monopólio político há trinta anos (ver notícia), o PSD madeirense resolveu fazer um pedido, ao Parlamento Regional, para que se procedesse à avaliação das suas capacidades mentais. Ou seja, os sociais-democratas madeirenses desconfiarão que João Carlos Gouveia não estará na plena posse das suas faculdades intelectuais e, portanto, num assomo de sentido de Estado, mas antes de tudo, imbuídos de um belo sentido altruísta, pretendem facultar ao dito deputado um exame (presume-se que gracioso) do seu estado mental. O Senhor Presidente da Assembleia Legislativa, bem, acedeu ao pedido.

Considero que estes gestos e atitudes enobrecem quem os pratica. Os senhores deputados do PSD, assustados pelo discurso que ouviram ao douto senhor João Carlos Gouveia, terão considerado que seria tempo de proceder a uma avaliação à sua capacidade intelectual, de forma a saber se o sol da bela ilha da Madeira não teria afectado o seu raciocínio. Eles afirmam serem testemunhas directas de alguns casos verificados...

O senhor deputado João Carlos Gouveia, juntamente com todos – todos! – os deputados da oposição, é que parece não ter apreciado tal preocupação pela sua saúde e abandonou o plenário, recusando-se a continuar a participar nos trabalhos, deixando assim os senhores deputados do PSD Madeira a falar sozinhos.

A falar sozinhos?... Hum...

Pensando bem, talvez não fosse má ideia alargar a realização dos exames aos senhores deputados do PSD. Só para tirar dúvidas…

13 fevereiro 2006

Angústia de domingo à noite

Não consigo evitá-lo: domingo à noite tenho sempre um nó, um aperto no estômago. Não sei que género de ansiedade se apodera de mim aos domingos... o dia a decorrer e a minha angústia a aumentar, a aumentar, até que à hora de me ir deitar sinto-me como nos tempos em que tinha exames na faculdade, em que faltavam cerca de 10 horas para o teste e eu ainda só tinha estudado 25% da matéria.

Será que vem daí esta minha angústia? Será que se eu tivesse estudado, por sistema, atempada e assisadamente durante a minha vida académica, não teria agora este sentimento de ansiedade? Será que foi uma sequela que me ficou dos tempos em que só me aplicava sob a inquietação de última hora? Será que aqueles meus colegas que, a uma semana do exame, já tinham tudo estudado e empinado, não têm agora domingos desassossegados, com um sentimento de depressão galopante conforme se vai aproximando a noite?

Talvez não seja por isso... afinal, eu já não tenho exames. E quando os tinha, tinha-os a qualquer dia da semana, não era um exclusivo das segundas-feiras. Portanto, esta angústia, se fosse essa a causa, poderia aparecer a qualquer dia, não necessariamente aos domingos à noite.

Mas estou a raciocinar mal. Parece-me que só tenho a lucrar se enveredar pela anterior linha de raciocínio: a culpa é dos exames da faculdade!

Reparem: eu já nem estou a afirmar que a culpa é do facto de eu deixar tudo para a última e só estudar verdadeiramente nas vésperas do exame (entendendo-se aqui vésperas como as horas anteriores ao exame); não, não é isso que está em questão, o que está em questão é o altamente pressionante sistema de exames que me impuseram na vida universitária. Uma vergonha! E que me empurrou, inexoravelmente, para o estudo de última hora! Inevitavelmente!

Eu tinha montes de exames! Cada exame tinha montes de matéria para estudar! Os exames estavam separados por dois, três dias entre eles! Um ultraje! O que é que eles queriam que eu fizesse? Que fosse estudando ao longo do ano para ir acompanhando as aulas e não deixar a matéria acumular? Quer dizer, já agora também queriam que eu estivesse atento nas aulas, não? E se eu fosse estudando ao longo do ano, como é que teria tempo para sair à noite? Para namorar? Para jogar à bola? Para não fazer nada? Como, não me sabem dizer?

Obviamente, eles sabiam qual iria ser a minha escolha. A escolha das pessoas sensatas: passar o ano a sair à noite, a namorar, a jogar à bola e a não fazer nada, e deixar a matéria acumular até às vésperas (ver definição supra) dos exames. Obviamente. E depois passar uns dias angustiados, a tentar empinar numas escassas horas matéria que daria para aí para um semestre (e não é que dava mesmo?), sem contar com os casos em que era matéria suficiente para um ano! Um insulto! E a minha estabilidade psicológica? E a minha saúde? E a minha auto-estima? Sim, porque depois, não contentes com isso, e apesar do meu tão hercúleo quanto ciclópico esforço, amiudadamente distinguiam-me com notas ridículas! Eles, pelo menos, riam-se delas...

É para mim claro que isto me causou um trauma profundo. Quando entrei na universidade julguei que se me abria um mundo de oportunidades, de desafios, de possibilidades de auto-desenvolvimento; e foi verdade. Até à minha primeira época de exames. O quê? Mas eles agora querem avaliar o que eu andei a fazer durante o semestre? E nem sequer uma perguntinha sobre discotecas, jogos da bola e miúdas? Estão a brincar comigo!

Não estavam. Levavam aquilo muito a peito. Queriam realmente que eu decorasse livros, sebentas e apontamentos de matérias de que eu só conhecia o título, por o ver no meu horário. E então eu esforçava-me. Que remédio. Começava a estudar sofregamente, em contra-relógio, sentindo uma úlcera a desenvolver-se no meu estômago. Muitas vezes, só para que eles, sádicos, me obrigassem a repetir todo o esforço passados uns dias. Claro, havia os mais bonzinhos que me obrigavam a repetir todo o esforço passado um ano. Cruéis! E o ritmo que eu levava de namoricos, de saídas à noite, de jogos de futebol, não me permitia a maior disponibilidade mental para tais exigências de concentração, evidentemente.

Estava eu a estudar a elasticidade da demanda (sim, os livros eram em brasileiro) ou o custo médio ou as sinergias ou a produção marginal (exponencial nos últimos anos, basta ver as estatísticas do crime!) e a pensar, ao mesmo tempo, que a Ana já não me telefonava há dois dias, que o MauMau tinha estado perfeito na noite passada ou que deveria ter fintado para dentro em vez de rematar de primeira no jogo de terça-feira. Ou que afinal a telenovela venezuelana que passam à tarde, nas vésperas dos exames, até tem o seu interesse. Ora deixa só ver um bocadinho...

Claramente a minha vida nunca mais foi a mesma. Transformei-me noutra pessoa, mais amarga, cinzenta e rezingona. E o meu esforço de memorização foi tal que agora sinto as sequelas: já nem me lembro bem de como se chamava a minha primeira namorada, por exemplo, ou de quem fez o passe para o Frasco endossar a bola para o Juary cruzar para o Madjer finalizar de calcanhar na final da Taça dos Campeões em 1987 (a minha vingança é que também já não me lembro de nada do que estudei; tudo no Universo caminha para o equilíbrio)!

Ou seja, bati no fundo! Sou um trapo, um dejecto, um frangalho! Um frangalho com angústia de domingo à noite. Foi para isto que eu andei a queimar as pestanas durante aqueles anos todos! Para ser alguém cujo fim-de-semana estará eternamente estragado! Vou pedir uma indemnização por trauma e danos psicológicos sofridos. Será que tenho hipóteses?

Bolas, deveria ter estudado Direito!

11 fevereiro 2006

Túnel de Ceuta

Afinal, parece que foi Rui Rio o grande vencedor da querela em volta do túnel de Ceuta. Aparentemente, foram as suas teses que vingaram, com pequenos retoques de fachada para salvar a face da Ministra da Cultura e do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR).

Acusado de desfear a frontaria e as cercanias do Museu Nacional Soares dos Reis, situado no Palácio das Carrancas, o túnel era objecto, há já largos meses, de uma disputa entre a Câmara Municipal do Porto e o IPPAR, disputa essa que, a determinado momento, envolveu também o Ministério da Cultura, através da senhora ministra, que defendia as teses do instituto público.

A minha surpresa, desde o início, foi o facto da polémica envolver o Ministério da Cultura. É óbvio que compreendia que o túnel de Ceuta, em pleno centro do Porto, causasse perplexidades e engulhos ao Governo, mas sempre pensei que a reacção viria do Ministério da Administração Interna, na minha opinião, quem deveria emitir uma opinião sobre o assunto e que se manteve surpreendentemente mudo durante todo este processo.

Embora esteja solidário com Rui Rio – que, mais uma vez, deu mostras do espírito de solidariedade e de cooperação com os mais desfavorecidos que é já seu apanágio –, compreendo perfeitamente que Portugal, integrado na União Europeia e subscritor dos Acordos de Schengen, não poderá de ânimo leve e ao arrepio dos tratados internacionais promover um túnel que ligará o Porto a Ceuta.

Bem sei que é o mais puro espírito solidário que move o seu promotor, numa ânsia de dar resposta aos milhares de refugiados que chegam a Ceuta e esbarram na arrogância espanhola que lhes fecha as portas do paraíso prometido. Num assomo de coragem e de espírito de missão, Rui Rio empreendeu esta grandiosa obra, que muito o enobrece a ele, pessoalmente, e a nós, como país, pois os refugiados escorraçados por Espanha em terras marroquinas têm assim a sua oportunidade de entrarem no espaço europeu, como desejam e pretendem. Mas obviamente que isso causa problemas diplomáticos, sociais e económicos. Problemas esses que, numa primeira fase, me parecem mais da competência do Ministério da Administração Interna ou até do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou ainda do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social. Agora o Ministério da Cultura? E, no meio de todos estes problemas, o único que saltou à vista do Governo foi a diminuição do esplendor das cercanias do Palácio das Carrancas? Do Palácio das Carrancas?? Algo não está bem…

Até porque tivéssemos nós um Ministério da Cultura em condições e a sua preocupação seria antes a de promover um comité de boas-vindas, proporcionando de imediato aos refugiados uma visita guiada ao Museu Nacional Soares dos Reis, rezando para que não reparassem que a primeira imagem que lhes dávamos a ver de Portugal era umas carrancas – não fossem pensar que nós torcíamos o nariz à sua chegada. Aliás, julgo que se poderiam sentir identificados com essa magnífica escultura, Desterrado, de Soares dos Reis, e assim adquirir uma imediata empatia pelo nosso país.

Não quero que fiquem dúvidas: obviamente, aplaudo o engenho e a inventiva desse grande filantropo, desse grande samaritano desinteressado que está à frente da Câmara Municipal do Porto e que responde pelo nome de Rui Rio; condeno a falta de visão e a xenofobia de um Governo da República que tudo fez para embaraçar esta grandiosa obra humanitária; considero apenas que, estando Portugal na União Europeia e no Espaço Schengen, esta obra deveria ter sido precedida de concertação e negociações com os nossos parceiros europeus. Lacuna essa que, obviamente, assaco ao Governo e nunca a esse caritativo e esmoler Rui Rio, Pai dos Pobres e Refugiados. Um grande bem-haja para si!

10 fevereiro 2006

Ainda a oferta hostil

Um amigo meu versado em matérias económicas elucidou-me sobre o que é, de facto, uma oferta hostil. Parece que é ainda mais grave do que eu imaginava: algo como o pai da noiva a entregar a filha no altar no dia do casamento.

09 fevereiro 2006

A outra grande notícia do momento

Foi encontrado, na China, o avô do tiranossauro. Há já largos dias que o ancião se ausentara para parte incerta, deixando em profunda angústia toda a sua família e, muito especialmente, o seu neto predilecto que tratava afectuosamente por T-Rex. As autoridades tinham sido alertadas para o súbito desaparecimento do provecto senhor e de imediato encetaram as buscas que se vieram a revelar dificultadas pelo facto do desaparecido (e agora encontrado) sofrer de Alzheimer há já longos séculos.
O fóssil com 160 milhões de anos foi encontrado numa jazida perto da localidade de Wucaiwan, na Província de Xinjiang, no Nordeste da China, onde se encontrava a descansar e de boa saúde. Aparentemente, tinha saído de casa com o intuito de ir assustar umas moçoilas que quando saíam do emprego passavam por perto da sua residência, como era seu hábito, mas, por razões ainda desconhecidas, desorientou-se e andou perdido durante alguns períodos geológicos, até ser finalmente encontrado.
A família, revoltada, acusa as autoridades de pouco terem feito para resgatar o decano senhor mais cedo. Nas palavras do seu neto, T-Rex, “a polícia sabia bem que dinossauro que é dinossauro só poderia mesmo estar na China, mas nunca seguiu essa pista. Limitou-se a fazer uma busca na Soeiro Pereira Gomes e a mandar um fax para Cuba a pedir informações. Como é óbvio, em nenhum dos sítios encontrou um dinossauro com Alzheimer.”

Oferta hostil

A grande notícia do momento é a oferta hostil da Sonae para adquirir o controlo da PT.
Oferta hostil? Tenho uma certa dificuldade em apreender o conceito...
Será assim como o pai da noiva a pagar o copo-d'água?

Manuel Alegre II

Após todo o cansaço e stress da campanha eleitoral, pareceu-me natural que Manuel Alegre tenha resolvido tirar uns dias de descanso. Depois de ir à consulta da Caixa, conseguiu facilmente que o seu médico de família lhe tivesse passado uns diazitos de baixa para poder recuperar forças, tão desgastado estava por uns intensos três ou quatro meses de acções de campanha e pré-campanha.

Agora, o que já não me pareceu tão natural foi o destino das suas férias. Não porque não considere o Alentejo um sítio notável para retemperar forças, no contacto com a Natureza; mas antes porque, tendo a possibilidade de voltar imediatamente à Assembleia da República, parece-me que não optou pelo melhor resort, pela melhor clínica de repouso.

Claro, na Assembleia da República não teria podido dedicar-se a essa bela actividade cinegética que consiste em disparar sobre umas quantas perdizes que andam mesmo a pedi-las. Ainda. Porque considero, pessoalmente, que é urgente os senhores deputados fazerem uma breve pausa na sua intensa e profícua actividade para legislarem sobre essa grave lacuna na Lei.

Julgo, contudo, que a caça, pura e dura, no hemiciclo da Assembleia da República, ainda que com forte apoio popular, iria encontrar graves resistências entre os próprios deputados, prevendo-se difícil a obtenção de uma clara maioria sobre tão ambicioso projecto. Assim sendo, proponho uma alternativa que reputo de magnífica: o paintball.

Dever-se-ia legislar sobre a possibilidade de os senhores deputados se dedicarem ao paintball durante os plenários. Obviamente, organizar-se-iam por bancadas partidárias, sendo que seria talvez curial fornecer armas mais precisas e eficazes aos grupos parlamentares mais pequenos de forma a equilibrar a contenda. Fazendo das suas bancadas e assentos, trincheiras, e podendo movimentar-se livremente pelo hemiciclo (ainda que sob as ordens do seu líder parlamentar e de acordo com a estratégia definida previamente pelo general na sede do partido), julgo que esta seria uma forma mais democrática de se decidirem os assuntos importantes da Nação.

As coisas passar-se-iam mais ou menos assim: um determinado grupo parlamentar, representado por um seu porta-voz, propunha determinada legislação ou medida (nesta fase, a contenda ainda não teria começado, a bem da boa percepção da moção). Após ter acabado de enunciar a sua proposta, o deputado em questão recolher-se-ia ao seu quartel-general e assim fariam todos os outros parlamentares. Dar-se-iam uns cinco minutos para reorganização e, a partir daí, declaravam-se abertas as hostilidades. As regras são conhecidas: quem for atingido por um projéctil, é eliminado. O senhor Presidente da Assembleia da República, declarado neutro, oficiava do alto da sua tribuna para que tudo decorresse de acordo com as mais elementares regras democráticas. No fim, se fosse o grupo parlamentar do senhor deputado que havia apresentado inicialmente a proposta a vencer, então a moção seria declarada aprovada; caso contrário, a moção seria rejeitada.

Isto teria óbvios benefícios: as audiências da Parlamento TV aumentariam exponencialmente, promovendo uma maior aproximação entre o cidadão eleitor e a actividade da Assembleia da República; na composição das listas eleitorais, os partidos preocupar-se-iam agora em empregar como factor de escolha, para além dos critérios da competência e do mérito, que já utilizam, o sentido estratégico e a condição física dos seus deputados, promovendo portanto na sociedade uma cultura de mente sã em corpo são, como já advogavam os Romanos; finalmente, o deputado Manuel Alegre não teria que, a contragosto, ausentar-se para o Alentejo para dar azo à sua vertente lúdica, convertendo-se rapidamente num dos mais conceituados snipers da República Portuguesa.

08 fevereiro 2006

Manuel Alegre

Tenho andado cansado, ultimamente. Cheguei a pensar em tirar uns diazitos de férias e ir descansar para o Alentejo, mas não consigo encontrar o número de telefone do médico do Manuel Alegre.

Para a posteridade

Houve tempos em que queria ser lembrado, falado, apontado como exemplo. Tempos em que me parecia que a minha passagem por aqui deveria deixar um marco, uma marca, na vida das pessoas, na sociedade. Em que me parecia importante não passar anódino, incógnito, em que me parecia importante passar e ficar, mesmo quando já tivesse partido.

Bem entendido, queria ser uma referência positiva. Não me interessava ficar conhecido como um perigoso assaltante ou um diletante assassino em série. Preferia ser relembrado como um artista marcante, um estadista de eleição, um profissional exemplar, modelo para os que viessem a seguir. Isso mesmo, queria ser um modelo, e não estou a falar de moda. Queria ser perene. Alguém de quem, passados os respectivos anos, se comemorasse o centenário da morte, se fizesse uma conferência mundial sobre a obra ou sobre a modelar existência e se fabricassem uns quaisquer biscoitos ou bombons com o seu nome.

Comecei a estudar as hipóteses. Pensei que poderia ser um grande, um exímio, futebolista, o novo Pelé. As vantagens eram evidentes: sucesso, fama, prestígio, modelos e manequins famosas a meus pés, poder, dinheiro, dinheiro a rodos. E se fosse um futebolista da craveira de um Pelé, passados cem anos ainda toda a gente falaria de mim, seria ainda um exemplo para os que dessem uns chutos na bola e contar-se-iam histórias fantásticas de como, certa vez, fintei dez jogadores adversários e o décimo primeiro fugiu para se furtar à humilhação ou da outra vez em que marquei um golo após ter feito uma tabela propositada no apito do árbitro. As vantagens pareciam-me esmagadoras. Do lado das desvantagens só me lembrava de uma, porém decisiva: não sabia jogar à bola.

Não desanimei, contudo. Outras hipóteses se me deparavam: poderia, por exemplo, ser um magistral pianista, um exímio violinista ou um supra-sumo da composição musical. As vantagens não seriam tão evidentes nem esmagadoras como no caso de ser futebolista, mas não eram nada desprezáveis. Considerando que atingia um estatuto de referência, de sumidade, a fama estava garantida, o sucesso e o prestígio também, as manequins talvez não se espojassem a meus pés, mas seria provável que conseguisse granjear alguma atenção nesse sector, e o dinheiro, não sendo a rodos, seria mais do que suficiente. E, claro, em termos de prestígio intelectual, sempre seria outra coisa ser um compositor, um pianista, um violinista célebre do que ser um jogador da bola. Desvantagem, só me ocorria uma: não distingo um dó sustenido de um mi bemol (na realidade, não sei o que quer dizer sustenido nem bemol).

Muito bem, havia que investigar outras possibilidades. A política, a política parecia-me ser uma boa alternativa. Não são exigidas qualidades ou atributos… que eu não possua, ao contrário do futebol ou da música, e, tendo o cuidado de gerir bem a minha carreira e ambição, poderia vir a atingir o estatuto de estadista, quiçá de salvador da pátria, sem pôr de lado a hipótese de poder eventualmente ganhar o Prémio Nobel da Literatura. Vamos lá ver: a fama seria certa, o prestígio, o sucesso e o poder também, as modelos já estiveram mais longe e o dinheiro, bem, o dinheiro, viria em catadupa, assim eu não estragasse tudo com veleidades éticas. Desvantagem: eu tenho veleidades éticas.

Agora o caminho parecia-me claro: filantropo. Teria que ser um filantropo reconhecido mundialmente. Se eu fosse patrono de uma fundação, digamos, com o meu nome, que promovesse a cultura, a educação, a saúde e o bem-estar das crianças e dos idosos, teria prestígio garantido. Claro que teria de ser uma coisa imponente, à escala mundial; não poderia ser uma fundação de vão de escada. Imaginava uma fundação capaz de erradicar, pela sua acção directa e pelo seu apoio à investigação científica, a fome em África; capaz de impulsionar o ensino na América do Sul; capaz de eliminar a gripe das aves e a pneumónica na Ásia; capaz de subsidiar uns artistas plásticos de vanguarda no Ocidente. E pronto, estaria alcançada a fama mundial, o sucesso internacional, o poder ilimitado. As modelos também poderiam ser subsidiadas e o dinheiro, bem, o dinheiro… já o tinha. Desvantagem – que entretanto me ocorrera: eu não tinha dinheiro.

As coisas estavam difíceis. Não é fácil deixarmos a nossa marca na Humanidade. Por momentos, ser um assassino em série diletante ou um perigoso assaltante pareceram-me formas tão válidas como quaisquer outras para figurar na posteridade. Mas foi apenas por breves instantes.

Depois, meditei sobre o conceito: ser um modelo para a Humanidade. E o óbvio atingiu-me como um relâmpago: isso está errado! Respirei fundo, aliviado com o peso que me saía de sobre os ombros. Está errado! Querer ser um modelo para a Humanidade, querer ser lembrado como um exemplo a seguir, é fútil, megalómano e infantil. E estúpido, também. E bastante idiota. Só um completo frustrado se preocuparia em querer figurar na posteridade. Que ridículo! Tal ideia parece própria de um saloio de um futebolista ou de um alarve de um compositor ou de um glutão de um político ou de um alambazado de um capitalista. Ou de um perigoso criminoso ou assassino em série, já agora.

As pessoas, as pessoas que interessam, não se demoram sequer a pensar em tais frivolidades. E a Humanidade não precisa de mais marcas, tão maltratada está já.

Bem, vou agora buscar o meu filho à escolinha de futebol que ainda tenho de o levar à academia de música para as aulas de piano. Abraço.