28 maio 2006

(In)Dependência

O meu sobrinho, que tem um ano e meio, anda a tentar deixar a chupeta. A família apoia-o nesse esforço: já fomos à farmácia comprar os pensos de substituição...

23 maio 2006

Casamentos (conclusão)

[cont.]


Pelo que o remédio é aguentar e esperar por que, o mais rápido possível, a noiva nos venha arrancar para o clássico passo de dança. O mais rápido possível para, assim, nos vermos rapidamente libertos dessa obrigação. É curioso verificar que o instinto masoquista dos noivos não tem limites: a primeira música a ouvir-se é sempre uma valsa e são os pobres coitados dos recém-casados que têm de, perante os olhares de toda a gente, demonstrarem a sua inata inaptidão para a dança. O noivo, é sabido, é completamente incompetente para qualquer tipo de dança e passa o tempo todo da execução da valsa a dizer baixinho «1-2-1, 1-2-1» enquanto tenta não calcar mais do que meia dúzia de vezes o vestido da noiva; esta, por seu lado, até se sairia airosamente se a dança fosse salsa ou, até, um samba, mas, sendo uma valsa, tenta apenas fugir com os seus delicados pezinhos às patorras do seu esposo. Debalde.

Quando os instintos sádicos da audiência se dão por contentes, a pista de dança começa a ser invadida por outros intérpretes, escondendo os noivos. É normalmente por esta altura que eles, vingativos, começam a percorrer as mesas e a levar, obrigados, os convidados para um pezinho de dança. Portanto, não convém oferecer resistência e resolver o assunto o mais airosamente possível.

Pela minha parte, por esta altura até já começo a sentir pena dos noivos e o inusitado número de vezes que tropeço no vestido da noiva e calco os seus pés, enquanto danço com ela, é apenas originado pela minha inépcia para a dança e não por qualquer resquício de sentimento de vingança que ainda pudesse vigorar. Juro.

E pronto. O casamento vai caminhando decadentemente para o seu fim. É a altura dos primos oprimidos aparecerem em palco, etilicamente animados, demonstrando a sua já suspeitada inaptidão para a dança, mas, por outro lado, comprovando a sua proverbial queda (em mais do que um sentido…) para provocarem constrangimento em todas as pessoas de bem, com destaque para os pobres coitados dos seus esponsais familiares. Alguém atalha à desgraça geral sugerindo que se corte o bolo da noiva. Os noivos, com um sorriso amarelo e com mais vontade, verdade seja dita, de cortarem as tripas aos primos que tão publicamente os embaraçaram, cumprem a sua função, sorrindo para as fotografias da praxe e fazendo o brinde final.

Estando, nesta fase, eles próprios já algo alcoolizados, os noivos entrelaçam as taças e bebem o champagne, enquanto pensam: Mas que família horrorosa que tu tens! Não admira que tivesses gostado tanto da minha família. Ainda bem que Natais, Passagens de Ano e Páscoas vão ser sempre em casa dos meus pais. E aos domingos, idem. Porque será que estás a olhar para mim com esse sorrisinho palerma? Se soubesses a quantidade de vezes que durante todo o dia me arrependi disto… Essa coisa horrorosa na tua testa é uma espinha? Espero que não vás agora arrotar à frente desta gente toda... Ah, quando eu encontrar uma cama para me deitar…Solta-me o braço, anda lá! E vê lá se não vais partir a merda da taça de champagne agora! Olha, continua com o sorrisinho idiota!...

09 maio 2006

Casamentos (continuação)

[continuação]

A festa, é sabido, ocorre numa dessas quintas que pululam pelo país e cuja proliferação pede meças à dos coelhos. Da igreja até à quintarola vai-se normalmente em excursão, até porque só uns iluminados sabem exactamente o percurso, razão para mais uns atrasos pois há que esperar por que toda a gente esteja pronta para partir. Claro que quem comanda o pelotão vai tão inebriado a apitar desalmadamente, como se o FC Porto tivesse acabado de ser Campeão Europeu mais uma vez, que nem repara que o grosso da coluna que supostamente liderava ficou retido nos últimos semáforos. Nada que uma chamada de telemóvel mais colérica do pai da noiva – que, entretanto, também ficara retido nos semáforos – ao irmão do noivo – o tal dos festejos do FC Porto – não resolva.

Chegados à quinta, lamentamos não ter um jipe pois vamos mesmo ter que estacionar o nosso automóvel em cima da lama. Claro que nem um jipe resolveria o problema de, ao sairmos do carro, termos de chapinar com os nossos delicados sapatos de cerimónia por entre o lodo. Resultado: sapatos apertados e, agora, também enlameados. O dia continua a correr bem…

Antes que nos sirvam qualquer coisa, e apesar de já passarem três horas da nossa habitual hora de refeição, há que tirar umas fotografias com os noivos. Os coitados, ainda mal refeitos da violência com que eu lhes atirei o arroz à cabeça, vão agora ter de passar longos minutos de pé, sorriso amarelo, enquanto os convivas vão desfilando a seu lado, fazendo uma pose para a posteridade. Também eu não me posso furtar a esse cliché e é com um sorriso sádico, de quem sente a sua vingança a ser servida, que normalmente apareço nas fotografias de casamento. Picado o ponto, escapulo-me para uma das salas onde já se começa a servir as entradas. Interiormente rio-me por saber que os noivos ainda estão a uns bons três quartos de hora de ingerirem qualquer coisinha…

A um dado momento, é dada ordem para nos sentarmos, finalmente, à mesa. Eu deixo-me cair com estrondo para cima de uma cadeira, já nem sabendo se estou mais fatigado do que esfomeado… quando chega a comida, porém, a dúvida resolve-se-me e começo a comer como um alarve.

É obsceno o tempo que medeia entre os diversos pratos. Apesar de comer fartamente e de repetir mais do que uma vez, é certo que terei de ficar um tempo incomensurável à espera que a avozinha da noiva acabe de comer o primeiro prato antes que sirvam o segundo (o problema é que a avozinha da noiva, afectada por Alzheimer, coitada, levou à letra «comer o primeiro prato»…). Vem o segundo prato e eu manifesto, novamente, o meu saudável apetite. Mais uma vez, é vergonhoso o tempo que se tem de esperar até nos podermos servir da sobremesa. É já quando estou a ponderar seriamente o «gerontocídio» que, por norma, se dá ordem para se passar às sobremesas. Sobremesas essas que, muito frequentemente, são indignamente escassas.

Estou eu a debater-me com o alambazado do primo do noivo pelo último bocado do bolo de chocolate quando chega o maior terror da noite: o disco jóquei! Esta figura sinistra ganha a vida a pôr música detestável, do mais pindérico e/ou saudosista e/ou pimba que existe, nas festas mais detestáveis que existem (os casamentos, claro). Aproveitando a música, finjo um passo de dança e mando um grande encontrão ao primo do noivo, desequilibrando-o, e abrindo finalmente caminho para o último bocado de bolo de chocolate. Desta forma, até consigo suportar os primeiros cinco minutos de música que, em qualquer outra ocasião, me faria fugir a sete pés. No entanto, não é socialmente aceite sairmos espavoridos ou, alternativamente, aplicarmos ao disco jóquei o mesmo passo de dança aplicado ao primo do noivo para assim assumirmos nós a responsabilidade pela harmonia e bom gosto musicais. Infelizmente.

[continua]