20 abril 2006

O fim da infância

Quando eu era criança, já lá vão uns meses, havia uns desenhos animados que apreciava bastante: Tom & Jerry (portanto, já vem daí esta minha propensão masoquista, dado que eu torcia sempre pelo Tom e, era sabido, quem levava sempre a melhor era o Jerry. Enfim…).

Já há vários anos, contudo, que não os via na televisão. Julguei-os retirados, gozando uma bem merecida reforma (sobretudo o Tom) ao sol da Florida, após tantos anos de trabalho incansável (mais o Tom). Mas agora fui informado da triste realidade: afinal, parece que aqui há uns anos, durante a rodagem de mais um filme, o Tom ia ser vítima, inexoravelmente, de mais uma tropelia do Jerry. No caso, o sádico do Jerry ia despenhar um piano de cauda sobre os costados do pobre Tom. Chegou a fazê-lo, aliás. O pobre do Tom, dessa vez, não resistiu aos ferimentos.

O alarve do Jerry escapou com uma pena suspensa…

18 abril 2006

A literatura em Portugal

A multiplicidade de livros é um grande mal. Não há limites para esta febre da escrita; toda a gente quer ser um autor; alguns por vaidade, para obterem fama e construírem um nome, outros pelo mero lucro.
Martinho Lutero



Fico abismado com a quantidade de novos autores portugueses que têm sido publicados recentemente. Autores, digo eu. Porque sou uma pessoa simpática. Em qualquer caso, a produção literária – literária, … digo eu – exponencial a que temos vindo a assistir nos últimos tempos é, com certeza, reflexo da nossa actual pujança cultural e artística.

Aliado a isso, o facto de haver, segundo alguns estudos, mais portugueses a ler livros – livros, já se sabe, sou eu que o digo… – e de alguns destes noveis escritores (escritores, optimismo meu) terem já no seu currículo um ou outro êxito de vendas, indicia que o nível de literacia dos portugueses aumentou a olhos vistos e que a sua apetência por cultura, ou mais especificamente, por literatura (literatura, exagero da minha responsabilidade) sofreu um acréscimo idêntico.

A sociedade portuguesa está finalmente a dar passos consolidados no bom sentido. Que bom que é ver os portugueses embrenharem-se em obras literárias!... (Continuo simpático). Quando tantos profetas da desgraça proclamam que esta geração está perdida, que bateu no fundo, que os jovens só se conseguem concentrar em frente a um computador jogando um shoot them all e que só consomem produtos culturais do género clips da MTV, eis que os portugueses respondem elevando os seus níveis culturais, deleitando-se com um bom naco de prosa (ou, quiçá, de poesia), dos muitos que ultimamente têm saído do prelo. Não contentes com isso, muitos deles (tantos deles!) contribuem activamente para o enriquecimento cultural da sociedade portuguesa publicando os seus próprios livros!

Isto é tanto mais extraordinário quanto alguns destes recentes autores são publicados, alguns com autênticos sucessos de vendas, sem terem, eles próprios, alguma vez lido um livro até ao fim! Ou seja, passou-se de uma geração que não lia livros para outra que continua a ler poucos livros, mas, em compensação, escreve-os!

E não, caros amigos, ter lido os destaques da edição resumida d’ Os Maias não conta.

05 abril 2006

A mulher e o burro

Na edição impressa do PÚBLICO de hoje, na pág. 54, secção Pessoas, pode-se ler sob o título «A Mulher e o Burro»:

«Um livro do ensino primário usado no Rajistão (...) compara as mulheres aos burros e conclui que estes fazem mais companhia do que aquelas.»

Duas citações desse livro:

«Um burro é como uma dona de casa».
«Anda na labuta o dia todo e, tal como ela, por vezes tem que passar fome e sede».

E conclui a notícia: «O livro já motivou protestos das mulheres de um partido local.»

Assombroso! Incrível! Espantoso! Como é possível que em pleno século XXI ainda haja quem nutra tais desprezo e desdém pelos direitos dos animais e defenda que os burros devam passar fome e sede?!

Bem andam as «mulheres de um partido local» em escandalizarem-se com tal barbárie e em deixarem claro o seu protesto…

03 abril 2006

Casamentos

Eu não gosto de casamentos. De ser convidado para casamentos, quero dizer. Infelizmente, tenho grande dificuldade em arranjar desculpas convincentes para me esquivar a tantas horas de tortura.

Um casamento dura um dia todo. Já foi tempo em que durava uma vida toda. Felizmente, nos dias que correm, a sua longevidade limita-se a um dia. Mas é demasiado, ainda assim. Um dia todo confinado num fato apertado com um leve, porém permanente, aroma a naftalina, garroteado por uma gravata démodé e com os pés barbaramente enclausurados num espaço exíguo, também conhecido por sapatos de cerimónia, não é propriamente a minha ideia de um dia bem passado. Admito que um faquir ou, porventura, um daqueles filipinos que, durante a Páscoa, se deixam pregar numa cruz, considerem que ir a um casamento é um autêntico piquenique; a mim, contudo, só me ocorrem duas palavras: uma tortura!

Normalmente, está calor. Os noivos comprazem-se em casar no Verão, não consigo perceber porquê. Nunca ouviram dizer: «boda molhada, boda abençoada»? Este desprezo pela sabedoria e cultura populares enfurece-me. Isso, e o calor. E o baraço ao pescoço conhecido por gravata. Já para não falar dos sapatos de cerimónia, versão pezinhos chineses. Enfim, o dia do casamento é um suplício para mim. Mas não só, também os dias que o precedem são de extrema angústia.

Tudo começa com o convite. Os noivos chegam à minha beira e, julgando que me fazem muito feliz, convidam-me para os seus esponsais. Eu tremo de terror. Pensa, pensa, deve haver alguma desculpa que possas dar. Claro que nunca me ocorre nada. Agradeço o convite, supostamente comovido, e dou-lhes os meus mais sinceros parabéns. Rezo para que eles não notem que as lágrimas não são de comoção, mas antes de tristeza assassina…

Tenho de comprar uma prenda, claro. E o que oferecer? Actualmente, a maior parte das pessoas opta por fazer listas de casamento, o que facilita um tanto a tarefa. Infelizmente, contudo, continua a ter que se pagar… Depois, há que verificar o guarda-roupa: Ora deixa cá ver, esta camisa ainda deve dar para este casamento, ainda só a usei em um baptizado, dois funerais e uma comunhão. Claro que nos esquecemos que, entretanto e pela lei da vida, já engordámos uns quilitos desde a última vez que a usámos. Resultado: quando chega o dia D (de desespero), verificamos que já não conseguimos abotoar o botão do colarinho sem desmaiar. Como manobra de recurso, temos de o deixar desabotoado e, em contrapartida, apertar bem o nó da gravata para que não se note…muito. Os sapatos, já se sabe, resultam em tortura semelhante. Não que os nossos pés tenham crescido desde a última vez que os calçámos, mas sim porque já nos esquecemos da flagelação que atingiu os nossos delicados pezinhos aquando da pretérita utilização. Basta pormos um pé, qual Cinderela, no delicado sapatinho, e imediatamente toda a nossa vida se parece ter metamorfoseado numa grande abóbora puxada por ratos. Ou em algo ainda pior…

Assim espartilhados, dirigimo-nos para a igreja. Menos mal, as igrejas não costumam ser muito quentes e sempre têm bancos. Tento sentar-me cá para trás de forma a poder, muito discretamente, tirar os sapatitos algures durante a cerimónia. Escandalizo-me com o indecoroso número de vezes em que é necessário as pessoas levantarem-se durante a missa, por razões que me passam sempre ao lado. Ainda para mais, com esta mania de o dia de casamento ter de ser o dia mais feliz das nossas vidas, os noivos fazem questão de que a própria cerimónia religiosa se prolongue por horas, em que se vai enchendo chouriços com mais um cântico, que me lembra vagamente uma melodia dos ABBA, ou com mais uma leitura de uma passagem bíblica cujo significado – críptico para mim – o padre, de seguida, se propõe analisar esmiuçadamente.

A cerimónia acaba finalmente e eu tento disfarçar a fúria genuína com que atiro arroz à cabeça dos noivos. Mas ainda a procissão vai no adro… faltam ainda as longas horas de festa.

[continua]